Sonetos sobre Sombra de Alberto da Costa e Silva

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Sonetos de sombra de Alberto da Costa e Silva. Leia este e outros sonetos de Alberto da Costa e Silva em Poetris.

Uma AusĂȘncia de Mim

Uma ausĂȘncia de mim por mim se afirma.
E, partindo de mim, na sombra sobre
o chĂŁo que nĂŁo foi meu, na relva simples
o outro ser que sonhei se deita e cisma.

Sonhei-o ou me sonhei? Sonhou-me o outro
— e o mundo a circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol, a chuva e tudo —
ou foi o sonho dos demais que sonho?

A epiderme da vida me vestiu,
ou breve imaginar de um Ăłcio inĂștil
ergueu da sombra a minha carne, ou sou

um casulo de tempo, o centro e o sopro
da cisma do outro ser que de mim fala
e que, sonhando o mundo, em mim se acaba.

Respiro e Vejo

Respiro e vejo. A noite e cada sol
vĂŁo rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhĂŁ que sĂŁo tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.

Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sĂłis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.

mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as floraçÔes da luz e da cegueira.

E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.

Soneto a Vermeer

De luto, a minha avĂł costura Ă  mĂĄquina,
e gira um cata-vento em plena sala.
Vejo seu rosto, sombra que a janela
corrompe contra um pĂĄtio amarelado

de sol e de mosaicos. Sobre a mesa,
a tesoura, um esquadro, alguns retalhos
e a imĂłvel solidĂŁo. A minha avĂł,
com os seus olhos azuis, o tempo acalma.

A minha avĂł Ă© jovem, mansa e apenas
a limpidez de tudo. Sonho vĂȘ-la
no seu vestido negro, a gola branca
contra o corpo de cĂŁo, negro, da mĂĄquina:

a roda, de perfil, parece imĂłvel
e a vida nĂŁo se exila na beleza.