Sonetos sobre Sorte de Luís de CamÔes

15 resultados
Sonetos de sorte de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

EstĂĄ Se A Primavera Trasladando

EstĂĄ se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lĂ­rios, rosas debuxando.

De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estĂŁo de vĂłs, Senhora, namorando.

Se agora nĂŁo quereis que quem vos ama
possa colher o fruito destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.

Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vĂłs amores,
se vossa condição produze abrolhos.

No mundo quis o Tempo que se achasse

No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tĂŁo longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.

Mas, segundo o que o CĂ©u me tem mostrado,
JĂĄ sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho jĂĄ que nĂŁo a tenho.

Dai Me Üa Lei, Senhora, De Querer Vos

Dai me ĂŒa lei, Senhora, de querer vos,
que a guarde, sĂŽ pena de enojar vos;
que a fé que me obriga a tanto amar vos
farĂĄ que fique em lei de obedecer vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver vos,
e dentro na minh’alma contemplar vos;
que, se assi nĂŁo chegar a contentar vos,
ao menos que nĂŁo chegue [a] aborrecer vos.

E, se essa condição cruel e esquiva,
que me dois lei de vida nĂŁo consente,
dai ma, Senhora, jĂĄ, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente,
mas contente porém de minha sorte.

Na Ribeira Do Eufrates Assentado

Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memĂłria
aquele breve bem, aquela glĂłria,
que em ti, doce SiĂŁo, tinha passado.

Da causa de meus males perguntado
me foi: Como nĂŁo cantas a histĂłria
de teu passado bem, e da vitĂłria
que sempre de teu mal hås alcançado?

NĂŁo sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e nĂŁo chores dessa sorte.

Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.

A FĂ© que me Obriga a Tanto Amar-vos

Dai-me Ć©a lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sob pena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
FarĂĄ que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assim nĂŁo chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida nĂŁo consente,
Dai-ma, Senhora, jĂĄ, seja de morte.

Se nem essa me dais, Ă© bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.

No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.

Mas (segundo o que o CĂ©u me tem mostrado)
jĂĄ sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho jĂĄ, que nĂŁo a tenho.

Por Cima Destas Águas, Forte E Firme

Por cima destas ĂĄguas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.

JĂĄ chegado era o fim de despedir me,
jĂĄ mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.

Passei os eu com Ăąnimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido jĂĄ desesperado.

Em que figura, ou gesto desusado,
pode jĂĄ fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?

Nunca em amor danou o atrevimento

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe Ă© guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusÔes que leva o vento.

Abrir-se devem passos Ă  ventura;
Sem si próprio ninguém serå ditoso;
Os princĂ­pios somente a Sorte os move.

Atrever-se Ă© valor e nĂŁo loucura;
PerderĂĄ por cobarde o venturoso
Que vos vĂȘ, se os temores nĂŁo remove.

Se Agora nĂŁo Quereis quem vos Ama

EstĂĄ-se a Primavera trasladando
Em vossa vista deleitosa e honesta;
Nas belas faces, e na boca e testa,
Cecéns, rosas, e cravos debuxando.

De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta,
Que o monte, o campo, o rio, e a floresta,
Se estĂŁo de vĂłs, Senhora, namorando.

Se agora nĂŁo quereis que quem vos ama
Possa colher o fruto destas flores,
Perderão toda a graça os vossos olhos.

Porque pouco aproveita, linda Dama,
Que semeasse o Amor em vĂłs amores,
Se vossa condição produz abrolhos.

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, jĂĄ nĂŁo posso ver-te,
TĂŁo asinha esta vida desprezaste!

Como jĂĄ pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Trocou Finita Vida por Divina, Infinita e Clara Fama

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Uma memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.

− Quem Ă© que tĂŁo gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitĂŁo de Cristo, que mais ama.

− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tĂŁo alta sorte.

− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indĂ­cio
De vir a merecer tĂŁo santa morte.

Males, que Contra Mim vos Conjurastes

Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto hĂĄ-de durar tĂŁo duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto jĂĄ me atormentastes.

Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vĂłs, que dela mesma o ser tomastes.

E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai jĂĄ fim a tormento tĂŁo comprido.

Assim de ambos contente serĂĄ a sorte:
Em vĂłs por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vĂłs vencido.

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento,
qualquer alma farĂŁo segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
tĂȘm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e nĂŁo sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que Ă© mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varÔes darão razÔes subidas,
mas sĂŁo experiĂȘncias mais provadas,
e por isso Ă© melhor ter muito visto.

Cousas hĂĄ i que passam sem ser criadas
e cousas criadas hĂĄ sem ser passadas,
mas o melhor de tudo Ă© crer em Cristo.

Em Flor Vos Arrancou, De EntĂŁo Crecida

Em flor vos arrancou, de entĂŁo crescida
(Ah! senhor dom AntĂłnio!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.

ĂŒa sĂł razĂŁo tenho conhecida
com que tamanha mĂĄgoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que nĂŁo podĂ­eis ter mais larga a vida.

Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.

E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mĂŁos do fero Marte,
na memĂłria das gentes vivereis.

Se, Despois D’esperança TĂŁo Perdida

Se, despois d’esperança tĂŁo perdida,
Amor pola ventura consentisse
que inda algĂŒ’hora breve alegre visse
de quantas tristes viu tĂŁo longa vida;

ĂŒ’alma jĂĄ tĂŁo fraca e tĂŁo caĂ­da,
por mais alto que a sorte me subisse,
nĂŁo tenho para mim que consentisse
alegria tĂŁo tarde consentida.

NĂŁo tĂŁo somente Amor me nĂŁo mostrou
um’hora em que vivesse alegremente,
de quantas nesta vida me negou;

mas inda tanta pena me consente,
que co contentamento me tirou
o gosto de algĂŒ’hora ser contente.