Sonetos sobre Tristeza de Antero de Quental

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Sonetos de tristeza de Antero de Quental. Leia este e outros sonetos de Antero de Quental em Poetris.

Ă€ Virgem SantĂ­ssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizĂ­vel ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

NĂŁo era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que atĂ© nem sei se as há na natureza…

Um mĂ­stico sofrer… uma ventura
Feita sĂł do perdĂŁo, sĂł da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ă“ visĂŁo, visĂŁo triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Aspiração

Meus dias vĂŁo correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.

Minh’alma, Ăł Deus! a outros cĂ©us aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

Diálogo

A cruz dizia Ă  terra onde assentava,
Ao vale obscuro, ao monte áspero e mudo:
— Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo
Vive na dor e em luta cega e brava?

Sempre em trabalho, condenada escrava.
Que fazes tu de grande e bom, contudo?
Resignada, és só lodo informe e rudo;
Revoltosa, Ă©s sĂł fogo e horrida lava…

Mas a mim não há alta e livre serra
Que me possa igualar!.. amor, firmeza,
Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra!

Sou o espírito, a luz!.. tu és tristeza,
Oh lodo escuro e vil! — Porém a terra
Respondeu: Cruz, eu sou a Natureza!

Mea Culpa

NĂŁo duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.

NĂŁo chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
NĂŁo chamo Ă  existencia hora sombria;
Acaso, Ă  ordem; nem Ă  lei desleixo.

A Natureza Ă© minha mĂŁe ainda…
É minha mĂŁe… Ah, se eu Ă  face linda
NĂŁo sei sorrir: se estou desesperado;

Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza…
É de crer que só eu seja o culpado!

O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na FĂ© o pensamento,
E achei a paz na inĂ©rcia e esquecimento…
SĂł me falta saber se Deus existe!

A uma Mulher

Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o berço estreito
N’algum palácio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:

Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna há sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!

Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,

Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!