Sonetos sobre Veneno

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Sonetos de veneno escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recĂŽnditos, vivazes.

Lembras lĂ­rios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relĂąmpagos e luares
Inundam-te os fantĂĄsticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olĂ­mpicos, morenos,
Propinando-me trĂĄgicos venenos,
SĂŁo como em brumas, solitĂĄrios rios.

Vendo A Anarda DepÔe O Sentimento

A serpe, que adornando vĂĄrias cores,
com passos mais oblĂ­quos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
Ă© maio errante de torcidas flores;

se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que nĂŁo morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.

Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;

Pois para nĂŁo morrer no gosto amado,
depÔe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.

Sexta-Feira Santa

Lua absĂ­ntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂ­cio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo estĂĄ morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂȘncias de gangrena!

Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
ĂŒa pura bondade, manifesto
indĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; ĂŒa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
que pĂŽde transformar meu pensamento.

Classicismo

LongĂ­nquo descendente dos helenos
pelo espĂ­rito claro, a alma panteĂ­sta,
– amo a beleza esplĂȘndida de VĂȘnus
com uma alegria singular de artista!

Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lĂĄbios, tenho mel…

Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mĂĄgica de PĂŁ!

Fui Gostar De VocĂȘ

“Fui Gostar de VocĂȘ”
III
Fui gostar de vocĂȘ… Eu, que dizia:
– jamais hei de gostar! Gostar Ă© crer,
e crer Ă© quase amar – e amar Ă© a via
mais curta entre o bom senso e o enlouquecer.. .

Fui gostar de vocĂȘ… Certo a ironia
da sorte nos obriga a desdizer…
Ontem, zombava de quem chora, e ria;
– hoje, inverso afinal Ă© o meu viver. ..

Fui gostar de vocĂȘ – vocĂȘ no entanto
jĂĄ tendo um grande amor, fez-me o veneno
do despeito tragar no amargo pranto…

E no fim disto tudo. . . – ninguĂ©m crĂȘ. . .
– Infeliz, muito embora eu me condeno
eu ainda defendo o que me fez vocĂȘ!…

Luz Dolorosa

Fulgem da Luz os ViĂĄticos serenos,
Brancas Extrema-UnçÔes dos hostiårios:
As Estrelas dos lĂ­mpidos SacrĂĄrios
A nĂ­vea Lua sobre a paz dos fenos.

HĂĄ prelĂșdios e cĂąnticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitĂĄrios…
E nos brilhos da Luz, vagos e vĂĄrios,
HĂĄ dor, hĂĄ luto, hĂĄ convulsĂ”es, venenos…

Estranhas sensaçÔes maravilhosas
Percorrem pelos cĂĄlices das rosas,
SensaçÔes sepulcrais de larvas frias…

Como que ocultas ĂĄspides flexĂ­veis
Mordem da Luz os germens invisĂ­veis
Com o tĂłxico das cĂłleras sombrias…

GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me

GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă  ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!

Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!

O MĂĄgico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
Que pĂŽde transformar meu pensamento.

Único RemĂ©dio

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero Ă© como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulçÔes alaga…

Tudo Ă© veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que tĂȘm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lĂșgubre vem vindo.

E tudo acaba entĂŁo no horror insano –
– Desespero do Inferno e tĂ©dio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…