Responso
I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
Passagens sobre Sussurros
27 resultadosEu não te pergunto nada, não te peço nada, até não me preocupo onde e com quem você esteja. Mas toda noite eu sussurro bem baixinho até o sono vir: me ama por favor.
Quão Breve Tempo é a Mais Longa Vida
Quão breve tempo é a mais longa vida
E a juventude nela! Ah!, Cloe, Cloe,
Se não amo nem bebo,
Nem sem querer não penso,
Pesa-me a lei inimplorável, dói-me
A hora invicta, o tempo que não cessa,
E aos ouvidos me sobe
Dos juncos o ruído
Na oculta margem onde os lírios frios
Da ínfera leiva crescem, e a corrente
Não sabe onde é o dia,
Sussurro gemebundo.
Noite
Há na expressão do céu um mágico esplendor
e em êxtase sensual, a terra está vencida…
– deixa enlaçar-te toda… A sombra nos convida,
e uma noite como esta é feita para o amor…Assim… – Fica em meus braços, trêmula e esquecida,
e dá-me do teu corpo esse estranho calor,
– ao pólen que dá vida, em fruto faz-se a flor,
e o teu corpo é uma flor que não conhece a vida…Há sussurros pelo ar… Há sombras nos caminhos…
E à indiscrição da Lua, em seu alto mirante,
encolhem-se aos casais, os pássaros nos ninhos…Astros fogem no céu… ninguém mais pode vê-los…
procuram, para amar, a noite mais distante,
e eu, para amar, procuro a noite em teus cabelos!…
Dupla Via-Láctea
Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos…
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldadaDentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!
Música Da Hora
Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momopara alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
Praia
De repente esse sussurro
de vozes no vento
e não é o mar que fala.De repente essa esperança
e não vem das pedras.De repente o ar se enche
de vozes
e não é a noite que fala.O mar escuta.