Textos sobre Alma de Luís de Camões

4 resultados
Textos de alma de Luís de Camões. Leia este e outros textos de Luís de Camões em Poetris.

Nunca Estamos Contentes

Já ouvistes dizer: «Ninho feito, pega morta». Que me dizeis ao contentamento do mundo, onde toda a duração dele está enquanto se alcança? Porque, acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque, acabado de alcançar, é passado; e maior saudade deixa do que é o contentamento que deu. Esperai, por me fazer mercê, que lhe quero dar umas palavrinhas de propósito:

Mundo, se te conhecemos,
porque tanto desejamos
teus enganos?
E, se assim te queremos,
muito sem causa nos queixamos
de teus danos.

Tu não enganas ninguém,
pois a quem te desejar
vemos que danas;
se te querem qual te vem,
se se querem enganar,
ninguém enganas.

Vejam-se os bens que tiveram
os que mais em alcançar-te
se esmeraram;
que uns, vivendo, nĂŁo viveram,
e os outros, sĂł com deixar-te,
descansaram.

E se esta tão clara fé
te aclara teus enganos,
desengana ;
sobejamente mal vĂŞ
quem, com tantos desenganos,
se engana.

Mas como tu sempre morres
no engano em que andamos e que vemos,
nĂŁo cremos o que tu podes,

Continue lendo…

NĂŁo Posso o que Quero

Que graça será esperardes de mim propĂłsitos, em cousa que os nĂŁo tem para comigo? Pois, ainda que queira, nĂŁo posso o que quero; que um sentido remontado, de nĂŁo pĂ´r pĂ© em ramo verde, tudo lhe sucede assim; e «cada um acode ao que lhe mais dĂłi»; e mais eu, que o que mais me entristece Ă© contentamento ter, pois fujo dele, que minh’alma o aborrece, porque lhe lembra que Ă© virtude de viver sem ele. Porque já sabeis que mágoa Ă©: «vĂŞ-lo hás e nĂŁo o paparás». Por fugir destes inconvenientes,

Toda a cousa descontente
contentar-me sĂł convinha,
de meu gosto;
que, o mal de que sou doente,
sua mais certa mesinha
Ă© desgosto.

Já ouviríeis dizer: «Mouro, o que não podes haver, dá-o pela tua alma». O mal sem remédio, o mais certo que tem, é fazer da necessidade virtude; quanto mais, se tudo tão pouco dura como o passado prazer. Porque, enfim, allegados son iguales los que viven por sus manos, etc. A este propósito, pouco mais ou menos, se fizeram umas voltas a um mote de enche-mão, que diz por sua arte, zombando mais, que não de siso (que toda a galantaria é tirá-la donde se não espera),

Continue lendo…

A Mudança de Lugar não Muda a Dor do Sentimento

Quão mal está no caso quem cuida que a mudança de lugar muda a dor do sentimento! E, se não, diga-o quien dijo que la ausencia causa olvido. Porque, enfim, la tierra queda, e, o mais, a alma acompanha. Ao alvo destes cuidados jogam meus pensamentos à barreira, tendo-me já, pelo costume, tão contente, de triste, que triste me faria ser contente; porque o longo uso dos anos se converte em natureza. Pois o que é para maior mal, tenho eu para maior bem. Ainda que, para viver no mundo, uso um outro pano, para não parecer coruja entre pardais, fazendo-me um para ser outro, sendo outro para ser um; mas a dor dissimulada dará seu fruto, que a tristeza no coração é como a traça no pano.

E por tĂŁo triste me tenho
que, se sentisse alegria,
de triste, nĂŁo viveria.
Porque a tal sorte vim
que nĂŁo vejo bem algum
em quanto vejo,
que nĂŁo nasceu para mim;
e por nĂŁo sentir nenhum,
nenhum desejo.

Porque, coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las. E, por isso

SĂł tristeza ver queria,
pois minha ventura quer
que só ela conheça por alegria,

Continue lendo…

Onde Há Inveja, não Há Amizade

Grande trabalho é querer fazer alegre rosto quando o coração está triste: pano é que não toma nunca bem esta tinta; que a Lua recebe a claridade do Sol, e o rosto, do coração. Nada dá quem não dá honra no que dá: não tem que agradecer quem, no que recebe, a não recebe; porque bem comprado vai o que com ela se compra. Nada se dá de graça o que se pede muito. Está certo! Quem não tem uma vida tem muitas. Onde a razão se governa pela vontade, há muito que praguejar, e pouco que louvar. Nenhuma cousa homizia os homens tanto consigo como males de que se não guardaram, podendo. Não há alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra; donde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aí a perdem. Onde há inveja, não há amizade; nem a pode haver em desigual conversação. Bem mereceu o engano quem creu mais o que lhe dizem que o que viu. Agora, ou se há-de viver no mundo sem verdade, ou com verdade sem mundo. E para muito pontual, perguntai-lhe de onde vem; vereis que algo tiene en el cuerpo,

Continue lendo…