Textos de Arthur Schopenhauer

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Textos de Arthur Schopenhauer. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

O Tempo Reduz Tudo a Nada

O tempo é a forma graças à qual a vanidade das coisas aparece como a sua instabilidade, que reduz a nada todas as nossas satisfações e todas as nossas alegrias, enquanto nos perguntamos com surpresa para onde foram. Esse próprio nada é portanto o único elemento objectivo do tempo, ou seja, o que lhe responde na essência íntima das coisas, e assim a substância da qual ele é a expressão.

A Armadilha do Imediato

Como guia das nossas próprias aspirações não devemos tomar imagens da fantasia, mas conceitos. Geralmente ocorrer o inverso. Na juventude, em especial, a meta da nossa felicidade fixa-se na forma de algumas imagens que se implantam na nossa mente, frequentemente pela vida inteira ou por metade dela, mas na realidade não passam de fantasmas que zombam de nós: pois, no momento em que as alcançamos, desfazem-se no nada, e vemos que não cumprem nada daquilo que prometem.
Enquadram-se aqui determinadas cenas da vida doméstica, citadina, campestre, imagens da casa, do ambiente, etc. Chaque fou a sa marotte [cada louco com sua mania]. É comum também fazer parte disso a imagem da amada. É natural que seja assim: pois o que é evidente, justamente por ser imediato, também age sobre a nossa vontade de modo mais directo do que o conceito, o pensamento abstracto, que fornece somente o universal, não o detalhe, e tem uma relação apenas indirecta com a vontade. Em contrapartida, o conceito mantém a palavra. É ele que deve sempre guiar-nos e orientar-nos, embora seja certo que sempre necessitará da ilustração e da paráfrase por meio de imagens.

O Presente Suportável

Todos nós nascemos na Arcádia, todos viemos ao mundo cheios de pretensões de felicidade e prazer, e conservamos a insensata esperança de fazê-las valer, até ao momento em que o destino nos aferra bruscamente e nos mostra que nada é nosso, mas tudo é dele, uma vez que ele detém um direito incontestável não apenas sobre as nossas posses e os nossos ganhos, mas também sobre os nossos braços e as nossas pernas, os nossos olhos e os nossos ouvidos, e até mesmo sobre o nosso nariz no centro do rosto.
A experiência vem em seguida e ensina-nos que a felicidade e o prazer não passam de uma quimera, mostrada à distância por uma ilusão, enquanto que o sofrimento e a dor são reais e manifestam-se directamente por si só, sem a necessidade da ilusão e da espera. Se o seu ensinamento se mostra frutífero, deixamos de procurar a felicidade e o prazer e passamos a preocupar-nos apenas em fugir ao máximo do sofrimento e da dor.

Reconhecemos que o melhor que o mundo nos pode oferecer é um presente suportável, tranquilo e sem dor; se isso nos é dado, sabemos apreciá-lo e cuidamos bem para não o estragar ansiando sem trégua alegrias imaginárias ou preocupando-nos temerosos com um futuro sempre incerto que,

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Vida Real e Actividade Intelectual

O que, em última instância, importa para o nosso bem-estar é aquilo que preenche e ocupa a consciência. No geral, toda a ocupação puramente intelectual proporcionará, ao espírito capaz de a executar, muito mais do que a vida real com as suas alternâncias constantes entre sucesso e fracasso, acompanhados de abalos e tormentos. Decerto, no entanto, para tal ocupação já são exigidas disposições intelectuais preponderantes. Além disso, deve-se observar que, assim como a vida activa voltada para o exterior nos distrai e desvia dos estudos, retirando do espírito a tranquilidade e a concentração necessárias, a ocupação espiritual incessante também nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real. Dessa maneira, é aconselhável suspender inteiramente tal ocupação por algum tempo, quando surgirem circunstâncias que exijam de algum modo uma actividade prática e enérgica.

Porque Escreves Descuidadamente?

Quem escreve descuidadamente faz, antes de mais, a confissão de que não dá grande valor aos seus pensamentos. Porque o entusiasmo que inspira a persistente resistência necessária para descobrir a forma mais clara, mais eficaz e mais atraente de expressar os nossos pensamentos é gerada simplesmente pela convicção do seu peso e da sua verdade – tal como só utilizamos escrínios de prata ou de ouro para as coisas sagradas ou obras de arte de valor incalculável.
Poucos escrevem da mesma forma que um arquitecto constrói, traçando antecipadamente um plano e pensando-o até aos mais ínfimos pormenores. A maioria escreve como joga dominó: as frases ligam-se entre si como as peças de dominó, uma a uma, em parte deliberadamente, em parte por acaso.

Actividade Exterior Por Não Existir Actividade Interior

As pessoas necessitam de actividade exterior porque não têm actividade interior. Quando, pelo contrário, esta última existe, é provável que a primeira seja um aborrecimento muito incómodo, mesmo execrável, e um impedimento. Este facto também explica a inquietação daqueles que nada têm para fazer, e as suas viagens sem objectivo. O que os impele de país em país é o mesmo tédio que no seu país os congrega em tão grandes grupos que chegam a tornar-se divertidos.

Recebi certa vez uma excelente confirmação desta verdade através de um cavalheiro de cinquenta anos que não conhecia, e que me falou de uma viagem de recreio de dois anos que havia feito a terras distantes e a estranhas regiões da Terra. Quando observei que por certo tivera de enfrentar muitas dificuldades e perigos, respondeu-me muito ingenuamente, sem hesitação nem preâmbulo, mas como se enunciasse simplesmente a conclusão de um silogismo: «Não tive um instante de aborrecimento».

A Felicidade e as Idades da Vida

O que torna infeliz a primeira metade da vida, que apresenta tantas vantagens em relação à segunda, é a busca da felicidade, com base no firme pressuposto de que esta deva ser encontrável na vida: o resultado são esperanças e insatisfações continuamente frustradas. Visualizamos imagens enganosas de uma felicidade sonhada e indeterminada, entre figuras escolhidas por capricho, e procuramos em vão o seu arquétipo.
Na segunda metade da vida, a preocupação com a infelicidade toma o lugar da aspiração sempre insatisfeita à felicidade; no entanto, encontrar um remédio para tal problema é objectivamente possível. De facto, a essa altura já estamos finalmente curados do pressuposto há pouco mencionado e buscamos apenas tranquilidade e a maior ausência de dor possível, o que pode ocasionar um estado consideravelmente mais satisfatório do que o primeiro, visto que ele deseja algo atingível, e que prevalece sobre as privações que caracterizam a segunda metade da vida.

Distância e Longa Ausência Prejudicam Qualquer Amizade

Distância e longa ausência prejudicam qualquer amizade, por mais desgostoso que seja admiti-lo. As pessoas que não vemos, mesmo os amigos mais queridos, aos poucos se evaporam no decurso do tempo até ao estado de noções abstractas, e o nosso interesse por elas torna-se cada vez mais racional, de tradição. Por outro lado, conservamos interesse vivo e profundo por aqueles que temos diante dos olhos, nem que sejam apenas os animais de estimação. Tão presa aos sentidos é a natureza humana. Por isso, aqui também são sábias as palavras de Goethe: O tempo presente é um deus poderoso.
Os amigos da casa são chamados assim com justeza, pois são amigos mais da casa do que do dono, portanto, assemelham-se antes aos gatos do que aos cães.
Os amigos dizem-se sinceros; os inimigos o são. Sendo assim, deveríamos usar a censura destes para nosso autoconhecimento, como se fosse um remédio amargo.
Os amigos são raros na necessidade? Não, pelo contrário! Mal fazemos amizade com alguém, e logo ele estará em dificuldade, pedindo dinheiro emprestado.

O Essencial da Vida é Igual em Toda a Parte

Seja qual for a forma que a vida humana assuma, os seus elementos são sempre os mesmos. Portanto, naquilo que é essencial, ela é a mesma em toda a parte, seja numa cabana, na corte, no mosteiro ou no exército. Por mais variados que sejam os seus eventos, as suas aventuras, as suas felicidades e as suas desgraças, dá-se com a vida, no entanto, o mesmo que com os produtos do pasteleiro. As figuras são numerosas e variam quanto à forma e cor; todavia, tudo é feito da mesma massa, e aquilo que acontece a um é muito mais parecido com aquilo que ocorreu a outro do que este possa pensar ao ouvir a narrativa. Os acontecimentos da vida assemelham-se às imagens do caleidoscópio, no qual a cada volta vemos algo diferente, mas em verdade temos sempre o mesmo diante dos olhos.

Jornais e Jornalistas

Os jornais são o ponteiro dos segundos no relógio da história. Na maioria das vezes, porém, além de ser fabricado com metais menos nobres do que o dos outros dois ponteiros, raramente funciona de modo correcto.
Uma grande quantidade de maus escritores vive unicamente da estultice do público, que só quer ler o que foi impresso no mesmo dia: os jornalistas. A sua designação vem mesmo a calhar, no entanto deveriam chamar-se ‘diaristas’. O exagero de toda a espécie é para eles tão essencial quanto para a arte dramática: com efeito, trata-se de extrair o máximo possível de todo o incidente. Devido à profissão, todos os jornalistas são também alarmistas: este é o seu modo de se tornarem interessantes. No entanto, mediante tal expediente acabam por se igualar aos cãezinhos que, tão logo percebem algum movimento, põem-se a latir fortemente. Sendo assim, é preciso dar aos seus sinais de alerta apenas a atenção necessária para não prejudicar a própria digestão.

O Perfeito Controle da Alegria e da Dor

Alegria desmedida e dor muito violenta acometem sempre e apenas a mesma pessoa: pois ambas se condicionam reciprocamente e são também condicionadas juntas por uma grande vivacidade do espírito. Ambas são causadas, não pelo simples presente, mas pela antecipação do futuro. No entanto, visto que a dor é essencial à vida e, pelo seu grau, é também determinada pela natureza do sujeito – o que implica que, na realidade, modificações repentinas, sendo sempre externas, não podem mudar o seu grau -, na base do júbilo ou da dor excessivos há sempre um erro e uma falsa crença: por conseguinte, essas duas exaltações do espírito poderiam ser evitadas com o uso do juízo.

Todo o júbilo desmedido repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes. Mais tarde, é inevitável que nos separemos de cada ilusão dessa espécie, pagando-a então, quando desaparece, com igual dor amarga, independentemente da alegria que o seu surgimento nos tenha proporcionado.
Nesse sentido, ela assemelha-se por completo a uma altura da qual o único momento de descer novamente é a queda, de maneira que deveria ser evitada: e toda a dor repentina ou excessiva é justamente apenas a queda de tal altura,

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2000 Anos de Moral

Talvez um olhar retrospectivo nos mais de dois mil anos passados na inútil tentativa de encontrar um fundamento sólido para a moral nos leve a pensar que não existe nenhuma moral natural, independente dos preceitos humanos, mas que ela é simplesmente um artefacto, um meio inventado para melhor dominar o egoísta e malvado género humano.

Polidez é Inteligência

A polidez é uma convenção tácita para ignorarmos a mísera condição moral e intelectual do ser humano e assim evitarmos acusá-la mutuamente; desse modo, ela vem menos a lume, para proveito de todos. Polidez é inteligência; consequentemente, impolidez é parvoíce. Criar inimigos por impolidez, de maneira desnecessária e caprichosa, é tão demente quanto pegar fogo à própria casa. Pois a polidez, como as fichas de jogo, é notoriamente uma moeda falsa: economizá-la é prova de insensatez. Pelo contrário, gastá-la em profusão é prova de sensatez. Todas as nações concluem as suas cartas com «seu mui obediente servidor». Só os alemães suprimem o «servidor» porque, segundo dizem, não é verdadeiro! Quem, pelo contrário, leva a polidez até ao sacrifício dos interesses reais, assemelha-se àquele que, em lugar das fichas de jogo, desse autênticas moedas de ouro. Do mesmo modo que a cera, dura e quebradiça, torna-se maleável com um pouco de calor, assumindo qualquer forma desejada, também se pode, com alguma polidez e amabilidade, tornar flexíveis e dóceis os homens recalcitrantes e hostis. A polidez, portanto, é para o homem o que o calor é para a cera.