Textos sobre Certos de Luís de Camões

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Textos de certos de Luís de Camões. Leia este e outros textos de Luís de Camões em Poetris.

Nunca Estamos Contentes

Já ouvistes dizer: «Ninho feito, pega morta». Que me dizeis ao contentamento do mundo, onde toda a duração dele está enquanto se alcança? Porque, acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque, acabado de alcançar, é passado; e maior saudade deixa do que é o contentamento que deu. Esperai, por me fazer mercê, que lhe quero dar umas palavrinhas de propósito:

Mundo, se te conhecemos,
porque tanto desejamos
teus enganos?
E, se assim te queremos,
muito sem causa nos queixamos
de teus danos.

Tu não enganas ninguém,
pois a quem te desejar
vemos que danas;
se te querem qual te vem,
se se querem enganar,
ninguém enganas.

Vejam-se os bens que tiveram
os que mais em alcançar-te
se esmeraram;
que uns, vivendo, nĂŁo viveram,
e os outros, sĂł com deixar-te,
descansaram.

E se esta tão clara fé
te aclara teus enganos,
desengana ;
sobejamente mal vĂŞ
quem, com tantos desenganos,
se engana.

Mas como tu sempre morres
no engano em que andamos e que vemos,
nĂŁo cremos o que tu podes,

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NĂŁo Posso o que Quero

Que graça será esperardes de mim propĂłsitos, em cousa que os nĂŁo tem para comigo? Pois, ainda que queira, nĂŁo posso o que quero; que um sentido remontado, de nĂŁo pĂ´r pĂ© em ramo verde, tudo lhe sucede assim; e «cada um acode ao que lhe mais dĂłi»; e mais eu, que o que mais me entristece Ă© contentamento ter, pois fujo dele, que minh’alma o aborrece, porque lhe lembra que Ă© virtude de viver sem ele. Porque já sabeis que mágoa Ă©: «vĂŞ-lo hás e nĂŁo o paparás». Por fugir destes inconvenientes,

Toda a cousa descontente
contentar-me sĂł convinha,
de meu gosto;
que, o mal de que sou doente,
sua mais certa mesinha
Ă© desgosto.

Já ouviríeis dizer: «Mouro, o que não podes haver, dá-o pela tua alma». O mal sem remédio, o mais certo que tem, é fazer da necessidade virtude; quanto mais, se tudo tão pouco dura como o passado prazer. Porque, enfim, allegados son iguales los que viven por sus manos, etc. A este propósito, pouco mais ou menos, se fizeram umas voltas a um mote de enche-mão, que diz por sua arte, zombando mais, que não de siso (que toda a galantaria é tirá-la donde se não espera),

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No Mundo nĂŁo Tem Boa Sorte SenĂŁo quem Tem por Boa a que Tem

Uma cousa sabei de mim: que queria antes o bem do mal, que o mal do bem; porque muito mais se sente o porvir, que o passado; e a morte, até matar, mata. Não sei se sereis marca de voar tão alto; porque, para tomar a palha a esta matéria, são necessárias asas de nebri. Mas vós sois homem de prol, e desculpa-me a conta em que vos tenho. E a que de mim vos sei dar, é que:

Esperança me despede,
tristeza nĂŁo me falece,
e tudo o mais m’aborrece.
Já que mais não mereceu
minha estrela,
só a tristeza conheço,
pois que para mim nasceu
e eu para ela.

No mundo nĂŁo tem boa sorte senĂŁo quem tem por boa a que tem. E daqui me vem contentar-me, de triste. Mas olhai de que maneira:

Vivo assi ao revés,
tomando por certa vida
certa morte,
com que folgo, em que me pĂŞs,
pois minha sorte Ă© servida
de tal sorte.

Uma cousa sabei: que o mal, ainda que às vezes o vejais louvar, não há quem o louve com a boca que o não taxe com o coração:

Ajudai-me a sofrer
vida tĂŁo sem sofrimento,

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Onde Há Inveja, não Há Amizade

Grande trabalho é querer fazer alegre rosto quando o coração está triste: pano é que não toma nunca bem esta tinta; que a Lua recebe a claridade do Sol, e o rosto, do coração. Nada dá quem não dá honra no que dá: não tem que agradecer quem, no que recebe, a não recebe; porque bem comprado vai o que com ela se compra. Nada se dá de graça o que se pede muito. Está certo! Quem não tem uma vida tem muitas. Onde a razão se governa pela vontade, há muito que praguejar, e pouco que louvar. Nenhuma cousa homizia os homens tanto consigo como males de que se não guardaram, podendo. Não há alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra; donde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aí a perdem. Onde há inveja, não há amizade; nem a pode haver em desigual conversação. Bem mereceu o engano quem creu mais o que lhe dizem que o que viu. Agora, ou se há-de viver no mundo sem verdade, ou com verdade sem mundo. E para muito pontual, perguntai-lhe de onde vem; vereis que algo tiene en el cuerpo,

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