Textos sobre Condenados de Fernando Pessoa

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Textos de condenados de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

O Mal em Mim

NĂŁo sou capaz de explicar a sensação do mal em mim; representava, nesse perĂ­odo da minha vida de que falo, a fonte de uma angĂșstia inexprimĂ­vel. Os homens constroem teorias estranhas sobre o bem e o mal, sobre os castigos e as recompensas; procuram assim a verdade que nunca em vida poderĂŁo saber.
Foi muito bom para mim e para a minha família o facto de eu ter sempre ficado em casa e conservado sem esforço o meu antigo modo de ser calmo até aos quinze anos. Nessa altura, porém, mandaram-me para uma escola longe da minha casa, onde o ser latente em mim que tanto temia despertou e começou a agir e a insinuar-se na vida humana.
Quando digo que sentia haver muito mal dentro de mim, nĂŁo quero dizer que estivesse desde sempre condenado a uma vida de infĂąmia ou de vĂ­cio. Quero dizer, porĂ©m, isto — que havia em mim uma forte atracção por todas as coisas censurĂĄveis que assediam o homem: podia controlar ou podia satisfazer esta atracção, mas uma vez satisfeita, mesmo sĂł um pouco, era provĂĄvel que eu nunca mais me pudesse controlar. Resolvi satisfazer essa atracção, e a partir desse momento,

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Virtude e Pecado sĂŁo Inatos

Nenhum prĂ©mio certo tem a virtude, nenhum castigo certo o pecado. Nem seria justo que houvesse tal prĂ©mio ou tal castigo. Virtude ou pecado sĂŁo manifestaçÔes inevitĂĄveis de organismos condenados a um ou a outro, servindo a pena de serem bons ou a pena de serem maus. Por isso todas as religiĂ”es colocam as recompensas e os castigos, merecidos por quem, nada sendo nem podendo, nada pĂŽde merecer, em outros mundos, de que nenhuma ciĂȘncia pode dar notĂ­cia, de que nenhuma fĂ© pode transmitir a visĂŁo. Abdiquemos, pois, de toda a crença sincera, como de toda a preocupação de influir em outrem.
A vida, disse Gabriel Tarde, Ă© a busca do impossĂ­vel atravĂ©s do inĂștil. Busquemos sempre o impossĂ­vel, porque tal Ă© o nosso fado; busquemo-lo atravĂ©s do inĂștil, porque nĂŁo passa caminho por outro ponto; ascendamos, porĂ©m, Ă  consciĂȘncia de que nada buscamos que possa obter-se, de que por nada passamos que mereça um carinho ou uma saudade.
Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender, disse o escolista. Compreendamos, compreendamos sempre, e façamos por tecer astuciosamente capelas ou grinaldas que hão-de murchar também, as flores espectrais dessa compreensão.