Ao Longo da Escrita deste Livro
No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mĂŁe incentivou-me a dar um passeio. HĂĄ muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lĂȘs que treslĂȘs, mas mantĂ©m o hĂĄbito de, cuidadosa, depois de bater Ă porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: nĂŁo te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, nĂŁo tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capĂtulo altruĂsta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mĂŁos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizĂĄ-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distĂąncia de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que nĂŁo se alterou quando saĂ do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome Ă© que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pĂŽr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panĂ”es carregados debaixo da Ășltima oliveira e os levaram Ă s costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panÔes vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.
Textos sobre Conhecimento de JosĂ© LuĂs Peixoto
3 resultadosOs Professores
O mundo nĂŁo nasceu connosco. Essa ligeira ilusĂŁo Ă© mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. ChegĂĄmos num dia que nĂŁo recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos atĂ© que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, nĂŁo sabĂamos o suficiente para percebermos que nĂŁo sabĂamos nada. Foi entĂŁo que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espĂ©cie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, Ă© infinita.
O material que Ă© trabalhado pelos professores nĂŁo pode ser quantificado. NĂŁo hĂĄ nĂșmeros ou casas decimais com suficiente precisĂŁo para medi-lo. A falta de quantificação nĂŁo Ă© culpa dos assuntos inquantificĂĄveis, Ă© culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores nĂŁo vendem o material que trabalham, oferecem-no. NĂłs, com o tempo, com os anos, com a distĂąncia entre nĂłs e nĂłs, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material Ă© nosso, achamos que nĂłs prĂłprios somos esse material. Por ironia ou capricho, Ă© nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva.
O Absoluto Ă© um Fardo InsuportĂĄvel
Para oferecer conforto rudimentar, retirei peso às palavras e às açÔes.
O conhecimento completo emudece as palavras e tolhe as açÔes.
O absoluto Ă© um fardo insuportĂĄvel.
A irresponsabilidade faz tanta falta como a responsabilidade, cada uma tem a sua hora,
os sĂĄbios usam-nas ao mesmo tempo, mais de uma ou mais de outra, tanto de uma como de outra,
os såbios conseguem distinguir as ocasiÔes e as medidas,
e nĂŁo duvidam que precisam de uma e de outra.