Os Gostos
A palavra «gosto» tem vários significados e Ă© fácil o engano. Há uma diferença entre aquele gosto que nos leva a escolher coisas e aquele que nos leva a conhecer e discernir as qualidades quando se segue as regras. Podemos gostar de comĂ©dias sem ter um gosto tĂŁo apurado e delicado que nos permita ajuizar do seu valor, como podemos ter o bom gosto para emitir juĂzos sobre as comĂ©dias, sem gostar desse gĂ©nero dramático. Existe um tipo de gosto que nos aproxima imperceptivelmente do que temos Ă nossa frente, há outros que nos prendem pela sua força e duração.
TambĂ©m há pessoas que tĂŞm mau gosto em tudo, outras sĂł nalgumas coisas, mas ambos os casos tĂŞm esse direito, no que toca ao alcance que cada um tem. Outros ainda tĂŞm gostos particulares, que sabem que sĂŁo maus, sem deixarem de segui-los. Há aqueles que tĂŞm gostos imprecisos e estes deixam que o acaso decida por eles. Mudam com ligeireza e ficam contentes ou maçam-se com o que os seus amigos dizem. Outros sĂŁo sempre previstos, sendo escravos de todos os seus gostos, respeitando-os em todas as matĂ©rias. Há quem seja sensĂvel ao bem e que se choque com o que Ă© mau.
Textos sobre Encantos de François de La Rochefoucauld
4 resultadosO Amor e a Vida
O amor Ă© uma imagem da nossa vida. Tanto o primeiro como a segunda estĂŁo sujeitos Ă s mesmas revoluções e mudanças. A sua juventude Ă© resplandecente, alegre e cheia de esperanças porque somos felizes por ser jovens tal como somos felizes por amar. Este agradabilĂssimo estado leva-nos a procurar outros bens muito sĂłlidos. NĂŁo nos contentamos nessa fase da vida com o facto de susbsistirmos, queremos progredir, ocupamo-nos com os meios para nos aperfeiçoarmos e para assegurar a nossa boa sorte. Procuramos a protecção dos ministros, mostrando-nos solĂcitos e nĂŁo aguentamos que outrem queira o mesmo que temos em vista. Este estĂmulo cumula-nos de mil trabalhos e esforços que logo se apagam quando alcançamos o desejado. Todas as nossas paixões ficam entĂŁo satisfeitas e nem por sombras podemos imaginar que a nossa felicidade tenha fim.
No entanto, esta felicidade raramente dura muito e fatiga-se da graça da novidade. Para possuirmos o que desejámos nĂŁo paramos de desejar mais e mais. Habituamo-nos ao que temos, mas os mesmos haveres nĂŁo conservam o seu preço, como nem sempre nos tocam do mesmo modo. Mudamos imperceptivelmente sem disso nos apercebermos. O que já adquirimos torna-se parte de nĂłs mesmos e sofrerĂamos muito com a sua perda,
A Inconstância no Amor e na Amizade
NĂŁo pretendo justificar aqui a inconstância em geral, e menos ainda a que vem sĂł da ligeireza; mas nĂŁo Ă© justo imputar-lhe todas as transformações do amor. Há um encanto e uma vivacidade iniciais no amor que passa insensivelmente, como os frutos; nĂŁo Ă© culpa de ninguĂ©m, Ă© culpa exclusiva do tempo. No inĂcio, a figura Ă© agradável, os sentimentos relacionam-se, procuramos a doçura e o prazer, queremos agradar porque nos agradam, e tentamos demonstrar que sabemos atribuir um valor infinito Ă quilo que amamos; mas, com o passar do tempo, deixamos de sentir o que pensávamos sentir ainda, o fogo desaparece, o prazer da novidade apaga-se, a beleza, que desempenha um papel tĂŁo importante no amor, diminui ou deixa de provocar a mesma impressĂŁo; a designação de amor permanece, mas já nĂŁo se trata das mesmas pessoas nem dos mesmos sentimentos; mantĂŞm-se os compromissos por honra, por hábito e por nĂŁo termos a certeza da nossa prĂłpria mudança.
Que pessoas teriam começado a amar-se, se se vissem como se vêem passados uns anos? E que pessoas se poderiam separar se voltassem a ver-se como se viram a primeira vez? O orgulho, que é quase sempre senhor dos nossos gostos,
Sobre a Diferença dos EspĂritos
Apesar de todas as qualidades do espĂrito se poderem encontrar num grande espĂrito, algumas há, no entanto, que lhe sĂŁo prĂłprias e especĂficas: as suas luzes nĂŁo tĂŞm limites, actua sempre de igual modo e com a mesma actividade, distingue os objectos afastados como se estivessem presentes, compreende e imagina as coisas mais grandiosas, vĂŞ e conhece as mais pequenas; os seus pensamentos sĂŁo elevados, extensos, justos e intelegĂveis; nada escapa Ă sua perspicácia, que o leva sempre a descobrir a verdade, atravĂ©s das obscuridades que a escondem dos outros. Mas, todas estas grandes qualidades nĂŁo impedem por vezes que o espĂrito pareça pequeno e fraco, quando o humor o domina.
Um belo espĂrito pensa sempre nobremente; produz com facilidade coisas claras, agradáveis e naturais; torna visĂveis os seus aspectos mais favoráveis, e enfeita-os com os ornamentos que melhor lhes convĂŞm; compreende o gosto dos outros e suprime dos seus pensamentos tudo o que Ă© inĂştil ou lhe possa desagradar. Um espĂrito recto, fácil e insinuante sabe evitar e ultrapassar as dificuldades; adapta-se facilmente a tudo o que quer; sabe conhecer e acompanhar o espirito e o humor daqueles com quem priva e ao preocupar-se com os interesses dos amigos,