Sobre a Diferença dos EspĂritos
Apesar de todas as qualidades do espĂrito se poderem encontrar num grande espĂrito, algumas há, no entanto, que lhe sĂŁo prĂłprias e especĂficas: as suas luzes nĂŁo tĂŞm limites, actua sempre de igual modo e com a mesma actividade, distingue os objectos afastados como se estivessem presentes, compreende e imagina as coisas mais grandiosas, vĂŞ e conhece as mais pequenas; os seus pensamentos sĂŁo elevados, extensos, justos e intelegĂveis; nada escapa Ă sua perspicácia, que o leva sempre a descobrir a verdade, atravĂ©s das obscuridades que a escondem dos outros. Mas, todas estas grandes qualidades nĂŁo impedem por vezes que o espĂrito pareça pequeno e fraco, quando o humor o domina.
Um belo espĂrito pensa sempre nobremente; produz com facilidade coisas claras, agradáveis e naturais; torna visĂveis os seus aspectos mais favoráveis, e enfeita-os com os ornamentos que melhor lhes convĂŞm; compreende o gosto dos outros e suprime dos seus pensamentos tudo o que Ă© inĂştil ou lhe possa desagradar. Um espĂrito recto, fácil e insinuante sabe evitar e ultrapassar as dificuldades; adapta-se facilmente a tudo o que quer; sabe conhecer e acompanhar o espirito e o humor daqueles com quem priva e ao preocupar-se com os interesses dos amigos,
Textos sobre Melhor de François de La Rochefoucauld
4 resultadosSobre a Reforma
Lançar-me-ia num discurso demasiado longo se referisse aqui em particular todas as razões naturais que levam os velhos a retirarem-se dos negĂłcios do mundo: as mudanças de humor, de condições fĂsicas e o enfraquecimento orgânico levam as pessoas e a maior parte dos animais, a afastarem-se pouco a pouco dos seus semelhantes. O orgulho, que Ă© inseparável do amor-ptĂłprio, substitui-se-lhes Ă razĂŁo: já nĂŁo pode ser lisonjeado pela maior parle das coisas que lisonjeiam os outros, porque a experiĂŞncia lhe fez conhecer o valor do que todos os homens desejam na juventude e a impossibilidade de o continuar a disfrutar; as diversas vias que parecem abertas aos jovens para alcançar grandeza, prazeres, reputação e tudo o mais que eleva os homens, estĂŁo-lhes vedadas, quer pela fortuna ou pela sua conduta, quer pela inveja ou pela injustiça dos outros; o caminho de reingresso nessas vias Ă© demasiado longo e demasiado árduo para quem já se perdeu nelas; as dificuldades parecem-lhes impossĂveis de ultrapassar e a idade já lhes nĂŁo permite tais pretensões. Tornam-se insensĂveis Ă amizade, nĂŁo sĂł porque talvez nunca tenham encontrado nenhuma verdadeira, mas tambĂ©m porque viram morrer grande nĂşmero de amigos que ainda nĂŁo tinham tido tempo nem ocasiĂŁo de desiludir a sua amizade e,
O Homem Congrega Todas as Espécies de Animais
Há tĂŁo diversas espĂ©cies de homens como há diversas espĂ©cies de animais, e os homens sĂŁo, em relação aos outros homens, o que as diferentes espĂ©cies de animais sĂŁo entre si e em relação umas Ă s outras. Quantos homens nĂŁo vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruĂ©is, outros como leões, mantendo alguma aparĂŞncia de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofĂcio Ă© enganar!
Quantos homens nĂŁo se parecem com os cĂŁes! Destroem a sua espĂ©cie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebrĂ©us de trela que vivem do seu mĂ©rito, que se destinam Ă guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há tambĂ©m dogues irascĂveis, cuja Ăşnica qualidade Ă© a fĂşria; há cĂŁes mais ou menos inĂşteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há atĂ© cĂŁes de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que tĂŞm espĂrito e que fazem sempre mal. Há pavões que sĂł tĂŞm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.
Sobre o Falso
Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que nĂŁo sĂŁo. Outros há de melhor fĂ©, que nasceram falsos, se enganam a si prĂłprios o nunca vĂŞem as coisas tal como sĂŁo. Há alguns cujo espĂrito Ă© estreito e o gosto falso. Outros tĂŞm o espĂrito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que nĂŁo tĂŞm nada de falso, nem no gosto nem no espĂrito. Estes sĂŁo muito raros, já que, em geral, nĂŁo há quase ninguĂ©m que nĂŁo tenha alguma falsidade algures, no espĂrito ou no gosto.
O que torna essa falsidade tĂŁo universal, Ă© que as nossas qualidades sĂŁo incertas e confusas e a nossa visĂŁo tambĂ©m: nĂŁo vemos as coisas tal como sĂŁo, avaliamo-las aquĂ©m ou alĂ©m do que elas valem e nĂŁo as relacionamos connosco da forma que lhes convĂ©m e que convĂ©m ao nosso estado e Ă s nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um nĂşmero infinito de falsidades no gosto e no espĂrito: o nosso amor-prĂłprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparĂŞncia de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento,