Sobre a Reforma

Lançar-me-ia num discurso demasiado longo se referisse aqui em particular todas as razões naturais que levam os velhos a retirarem-se dos negócios do mundo: as mudanças de humor, de condições físicas e o enfraquecimento orgânico levam as pessoas e a maior parte dos animais, a afastarem-se pouco a pouco dos seus semelhantes. O orgulho, que é inseparável do amor-ptóprio, substitui-se-lhes à razão: já não pode ser lisonjeado pela maior parle das coisas que lisonjeiam os outros, porque a experiência lhe fez conhecer o valor do que todos os homens desejam na juventude e a impossibilidade de o continuar a disfrutar; as diversas vias que parecem abertas aos jovens para alcançar grandeza, prazeres, reputação e tudo o mais que eleva os homens, estão-lhes vedadas, quer pela fortuna ou pela sua conduta, quer pela inveja ou pela injustiça dos outros; o caminho de reingresso nessas vias é demasiado longo e demasiado árduo para quem já se perdeu nelas; as dificuldades parecem-lhes impossíveis de ultrapassar e a idade já lhes não permite tais pretensões. Tornam-se insensíveis à amizade, não só porque talvez nunca tenham encontrado nenhuma verdadeira, mas também porque viram morrer grande número de amigos que ainda não tinham tido tempo nem ocasião de desiludir a sua amizade e, por essa razão, se convencem facilmente de que eles teriam sido mais fiéis que aqueles que lhes restam. Já não tiram partido dos benefícios que outrora preencheram a sua imaginação; já quase não tiram partido da glória; a que conquistaram murchou com o passar do tempo e, por vezes, ao envelhecer, os homens perdem mais glória do que a que alcançaram.
Cada dia lhes leva algo de si mesmos; já não possuem vitalidade suficiente para disfrutar o que têm e muito menos para alcançar o que desejam; perante si próprios não vêem mais que desgostos, doenças e abatimento; tudo está visto e nada pode já ter para eles a graça da novidade; o tempo afasta-os insensivelmente do ponto de onde lhes convinha ver os objectos e de onde lhes convinha ser vistos. Os mais felizes são ainda tolerados, os outros são desprezados; o único bom partido que lhes resta é esconder do mundo o que talvez tenham mostrado excessivamente. O seu gosto, desenganado de desejos inúteis, vira-se então para os objectos mudos e insensíveis; os edifícios, a agricultura, a economia, o estudo, todas estas coisas se encontram ao seu alcance; dedicam-se a elas ou põem-nas de lado, conforme lhes agrada; são senhores dos seus desígnios e das suas ocupações; tudo o que desejam podem obter e, tendo ultrapassado a dependência do mundo, fazem com que tudo dependa deles. Os mais sábios sabem empregar em seu proveito o tempo que lhes resta e, cabendo-lhes uma parte tão pequena nesta vida, tornam-se dignos de uma melhor. Os outros só se têm a si mesmos como testemunhas da sua infelicidade; até as suas doenças os divertem; o menor alívio parece-lhes felicidade; a natureza, enfraquecida e mais sábia do que eles, liberta-os frequentemente do vão incómodo de desejar; enfim, esquecem o mundo, que está disposto a esquecê-los; até a sua vaidade se consola com o seu retiro, e por entre desgostos, incertezas e fraquezas, quer por piedade, quer pela razão e, na maior parte dos casos, por habituação, lá vão suportando o peso de uma vida insípida e decadente.