Passagens sobre InĂșteis

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Frases sobre inĂșteis, poemas sobre inĂșteis e outras passagens sobre inĂșteis para ler e compartilhar. Leia as melhores citaçÔes em Poetris.

Como InĂștil Taça Cheia

Como inĂștil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mĂĄgoa figura
SĂł para Ter que sentir
E assim nĂŁo tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tåbuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mågoas
Para que nada suceda.

O Que Procuro na Literatura

Que Ă© que eu procuro na literatura? Que Ă© que me arrasta para este combate interminĂĄvel e sempre votado ao fracasso? Como Ă© imbecil pensar-se que se escreve para se «ter nome» e as vantagens que nisso vĂȘm. Espera-se decerto sempre fazer melhor, mas sĂł porque sempre se falhou. Assim se sabe tambĂ©m que se vai falhar de novo. NĂŁo se escreve para ninguĂ©m, o problema decide-se apenas entre nĂłs e nĂłs. Mas hĂĄ um lugar inatingĂ­vel e cada nova tentativa Ă© uma tentativa para o alcançar.
O desejo que nos anima Ă© o de fixar, segurar pela palavra o que entrevemos e se nos furta. Julgamos Ă s vezes que o atingimos, mas logo se sabe que nĂŁo. Miragem perene de uma presença luminosa, de um absoluto de estarmos inundados dessa evidĂȘncia, encantamento que nos deslumbra no instante e nesse instante se dissolve.
O que me arrasta nesta luta sem fim é o aceno de uma plenitude de ser, a integração perfeita do que sou no milagre que me entreluz, a transfiguração de mim e do mundo no que fulgura e vai morrer.
RecaĂ­do de cada vez no mais baixo, na grossa naturalidade de que sou feito,

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Lisbon Revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqĂŒenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angĂșstia de fome de carne
O que nĂŁo sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessĂĄrias.
Correram cortinas de todas as hipĂłteses que eu poderia ver da rua.
NĂŁo hĂĄ na travessa achada o nĂșmero da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
AtĂ© a vida sĂł desejada me farta – atĂ© essa vida…

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
NĂŁo sei que destino ou futuro compete Ă  minha angĂșstia sem leme;
NĂŁo sei que ilhas do sul impossĂ­vel aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darĂŁo ao menos um verso.

NĂŁo, nĂŁo sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espĂ­rito,

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Pilotagem

E os meus olhos rasgarĂŁo a noite;

E a chuva que vier ferir-me nas vidraças
CompreenderĂĄ, entĂŁo, a sua inutilidade;

E todos os sinos que alimentavam insĂłnias
hĂŁo-de repetir as horas mortas
sĂł para os ouvidos da torre;

E os outros ruĂ­dos abafar-se-ĂŁo no manto negro da noite;

E a mĂŁo alva que me apontava os nortes
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverĂĄ de novo;

E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste seu reino;

E todas as luzes que tresnoitaram os homens
apagar-se-ĂŁo;

E o silĂȘncio virĂĄ cheio de promessas
que nĂŁo se cansaram na viagem;

E todos os povos de Babel
com as riquezas que hĂĄ no mundo
virĂŁo festejar a paz em minha honra;

E os caminhos se abrirĂŁo
para os homens que seguirem de mĂŁos dadas:

O sangue derramado de Cristo
terå finalmente significação,
e da inĂștil cruz do martĂ­rio
se erguerĂĄ o pendĂŁo da vitĂłria;

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A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă  porta dos edifĂ­cios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

NĂŁo saĂ­ram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂ­cia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂ­vel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Hå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos

(…)

Os leĂ”es tĂȘm uma grande força, mas esta ser-lhes-ia inĂștil se a natureza lhes nĂŁo tivesse dado olhos.

Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhĂŁ que raia, raia sempre no mesmo lugar,
NĂŁo hĂĄ manhĂŁs sobre cidades, ou manhĂŁs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares sĂŁo o mesmo lugar, todas as terras sĂŁo a mesma,
E Ă© eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa prĂłpria carne,
Um alĂ­vio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
SĂŁo os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vĂŁo leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruĂ­do da multidĂŁo em vivas…

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NĂłs Ă© Que NĂŁo Estamos Prontos

NĂłs Ă© que nĂŁo estamos prontos. Os objectos da nossa felicidade existem hĂĄ dias, anos, talvez sĂ©culos; esperam que a luz se faça em nossos olhos para os vermos, e que o vigor chegue aos nossos braços para os agarrarmos. Eles esperam e espantam-se de hĂĄ tanto tempo ali estarem inĂșteis. Sofremos, sofremos de cada vez que duvidamos de alguĂ©m ou de qualquer coisa, mas o nosso sofrimento transforma-se em alegria logo que apreendemos, nessa pessoa ou nessa coisa, a beleza imortal que nos fazia amĂĄ-la.

Soneto Da Mulher InĂștil

De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tĂŁo de leve sinto-te no peito
Que o meu prĂłprio suspiro te levanta.

To contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nĂ­vea garganta
Branco pĂĄssaro fiel com que me deito.

Mulher inĂștil, quando nas noturnas
CelebraçÔes, nåufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas

SĂŁo teus seios tĂŁo tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.

As Canseiras Destinam-se a Satisfazer os Luxos

Nos dias de hoje, quem consideras tu como sĂĄbio? O tĂ©cnico que sabe montar repuxos de ĂĄgua perfumada atravĂ©s de canalizaçÔes invisĂ­veis, o que Ă© capaz de encher ou esvaziar num instante os canais artificiais, o que sabe dar diversas disposiçÔes aos caixotĂ”es mĂłveis do tecto de modo a que o salĂŁo de banquetes vĂĄ mudando de decoração Ă  medida que vĂŁo surgindo os vĂĄrios pratos? Ou antes aquele que demonstra, a si mesmo e aos outros, que a natureza nos nĂŁo impĂ”e nada que seja duro e difĂ­cil, que para termos uma casa nĂŁo carecemos de marmoristas ou de marceneiros, que para nos vestirmos nĂŁo dependemos do comĂ©rcio da seda, em suma, que para dispormos do essencial Ă  vida quotidiana nos basta aquilo que a terra nos apresenta Ă  superfĂ­cie? Se a humanidade se dispusesse a seguir os conselhos de um tal homem imediatamente perceberia que tĂŁo inĂștil Ă© o cozinheiro como o soldado!
Os antigos, esses homens que satisfaziam sem quaisquer excessos as suas necessidades físicas, eram de facto såbios, ou pelo menos muito próximo de o serem. Para se obter o indispensåvel não é preciso muito esforço; as canseiras destinam-se a satisfazer os luxos. Tu podes dispensar todos os técnicos: basta que sigas a natureza!

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Homens Exageradamente Subtis

Os homens exageradamente subtis raro sĂŁo grandes homens, e as suas pesquisas sĂŁo, na maior parte dos casos, tĂŁo inĂșteis como requintadas. Afastam-se cada vez mais da vida prĂĄtica, de que se deveriam aproximar. Assim como os mestres de dança ou de esgrima nĂŁo começam por ensinar a anatomia dos braços e das pernas, tambĂ©m uma filosofia sĂŁ e utilizĂĄvel deve partir de muito mais alto do que todas as suas especulaçÔes. «Deve pĂŽr-se o pĂ© assim para se nĂŁo cair» e «é necessĂĄrio acreditar nisto pois seria absurdo nĂŁo acreditar», constituem bases muito boas.
As pessoas que quiserem ir mais longe podem fazĂȘ-lo, mas sem pensarem que fazem algo de grande, porque se tudo resultar, nada mais encontrarĂŁo, no fim de contas, do que aquilo que o homem razoĂĄvel sabia hĂĄ muito.
O homem que faz uma nova demonstração do dĂ©cimo segundo teorema de Euclides merece ser chamado engenhoso, mas nem por isso contribuirĂĄ mais para o alargamento das fronteiras da ciĂȘncia do que se nĂŁo tivesse feito tal invenção. Mas nunca, por certo, chegareis a convencer o cĂ©ptico, porque que argumento deste mundo serĂĄ capaz de convencer um homem capaz de acreditar em absurdidades? E alguĂ©m que quer ser convencido merecerĂĄ ser refutado?

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Sei que metade da publicidade que faço Ă© inĂștil. Mas nĂŁo sei qual Ă© a metade inĂștil.

O melhor governo Ă© aquele em que hĂĄ o menor nĂșmero de homens inĂșteis.

Nunca Estamos em Nós, Estamos Sempre Além

Os que acusam os homens de ir sempre perseguindo boquiabertos as coisas futuras, e ensinam a nos apossarmos dos bens actuais e a sossegarmos neles por nĂŁo termos nenhum domĂ­nio sobre o que estĂĄ para vir, atĂ© bem menos do que o temos sobre o que passou, referem-se ao mais comum dos erros humanos – se Ă© que ousam chamar de erro algo que a prĂłpria natureza nos encaminha para servirmos Ă  continuação da sua obra, imprimindo-nos, como muitas outras, essa fantasia enganadora, mais ciosa da nossa acção que do nosso saber. Nunca estamos em nĂłs, estamos sempre alĂ©m. O temor, o desejo, a esperança lançam-nos para o futuro e roubam-nos a percepção e o exame do que Ă©, para entreter-nos com o que serĂĄ, atĂ© mesmo quando nĂŁo existirmos mais. Infeliz Ă© o espĂ­rito que se preocupa com o futuro (SĂ©neca).
Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio.

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