Passagens sobre InĂșteis

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Frases sobre inĂșteis, poemas sobre inĂșteis e outras passagens sobre inĂșteis para ler e compartilhar. Leia as melhores citaçÔes em Poetris.

A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă  porta dos edifĂ­cios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

NĂŁo saĂ­ram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂ­cia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂ­vel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Hå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos

(…)

Os leĂ”es tĂȘm uma grande força, mas esta ser-lhes-ia inĂștil se a natureza lhes nĂŁo tivesse dado olhos.

Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhĂŁ que raia, raia sempre no mesmo lugar,
NĂŁo hĂĄ manhĂŁs sobre cidades, ou manhĂŁs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares sĂŁo o mesmo lugar, todas as terras sĂŁo a mesma,
E Ă© eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa prĂłpria carne,
Um alĂ­vio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
SĂŁo os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vĂŁo leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruĂ­do da multidĂŁo em vivas…

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NĂłs Ă© Que NĂŁo Estamos Prontos

NĂłs Ă© que nĂŁo estamos prontos. Os objectos da nossa felicidade existem hĂĄ dias, anos, talvez sĂ©culos; esperam que a luz se faça em nossos olhos para os vermos, e que o vigor chegue aos nossos braços para os agarrarmos. Eles esperam e espantam-se de hĂĄ tanto tempo ali estarem inĂșteis. Sofremos, sofremos de cada vez que duvidamos de alguĂ©m ou de qualquer coisa, mas o nosso sofrimento transforma-se em alegria logo que apreendemos, nessa pessoa ou nessa coisa, a beleza imortal que nos fazia amĂĄ-la.

Soneto Da Mulher InĂștil

De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tĂŁo de leve sinto-te no peito
Que o meu prĂłprio suspiro te levanta.

To contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nĂ­vea garganta
Branco pĂĄssaro fiel com que me deito.

Mulher inĂștil, quando nas noturnas
CelebraçÔes, nåufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas

SĂŁo teus seios tĂŁo tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.

As Canseiras Destinam-se a Satisfazer os Luxos

Nos dias de hoje, quem consideras tu como sĂĄbio? O tĂ©cnico que sabe montar repuxos de ĂĄgua perfumada atravĂ©s de canalizaçÔes invisĂ­veis, o que Ă© capaz de encher ou esvaziar num instante os canais artificiais, o que sabe dar diversas disposiçÔes aos caixotĂ”es mĂłveis do tecto de modo a que o salĂŁo de banquetes vĂĄ mudando de decoração Ă  medida que vĂŁo surgindo os vĂĄrios pratos? Ou antes aquele que demonstra, a si mesmo e aos outros, que a natureza nos nĂŁo impĂ”e nada que seja duro e difĂ­cil, que para termos uma casa nĂŁo carecemos de marmoristas ou de marceneiros, que para nos vestirmos nĂŁo dependemos do comĂ©rcio da seda, em suma, que para dispormos do essencial Ă  vida quotidiana nos basta aquilo que a terra nos apresenta Ă  superfĂ­cie? Se a humanidade se dispusesse a seguir os conselhos de um tal homem imediatamente perceberia que tĂŁo inĂștil Ă© o cozinheiro como o soldado!
Os antigos, esses homens que satisfaziam sem quaisquer excessos as suas necessidades físicas, eram de facto såbios, ou pelo menos muito próximo de o serem. Para se obter o indispensåvel não é preciso muito esforço; as canseiras destinam-se a satisfazer os luxos. Tu podes dispensar todos os técnicos: basta que sigas a natureza!

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Homens Exageradamente Subtis

Os homens exageradamente subtis raro sĂŁo grandes homens, e as suas pesquisas sĂŁo, na maior parte dos casos, tĂŁo inĂșteis como requintadas. Afastam-se cada vez mais da vida prĂĄtica, de que se deveriam aproximar. Assim como os mestres de dança ou de esgrima nĂŁo começam por ensinar a anatomia dos braços e das pernas, tambĂ©m uma filosofia sĂŁ e utilizĂĄvel deve partir de muito mais alto do que todas as suas especulaçÔes. «Deve pĂŽr-se o pĂ© assim para se nĂŁo cair» e «é necessĂĄrio acreditar nisto pois seria absurdo nĂŁo acreditar», constituem bases muito boas.
As pessoas que quiserem ir mais longe podem fazĂȘ-lo, mas sem pensarem que fazem algo de grande, porque se tudo resultar, nada mais encontrarĂŁo, no fim de contas, do que aquilo que o homem razoĂĄvel sabia hĂĄ muito.
O homem que faz uma nova demonstração do dĂ©cimo segundo teorema de Euclides merece ser chamado engenhoso, mas nem por isso contribuirĂĄ mais para o alargamento das fronteiras da ciĂȘncia do que se nĂŁo tivesse feito tal invenção. Mas nunca, por certo, chegareis a convencer o cĂ©ptico, porque que argumento deste mundo serĂĄ capaz de convencer um homem capaz de acreditar em absurdidades? E alguĂ©m que quer ser convencido merecerĂĄ ser refutado?

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Sei que metade da publicidade que faço Ă© inĂștil. Mas nĂŁo sei qual Ă© a metade inĂștil.

O melhor governo Ă© aquele em que hĂĄ o menor nĂșmero de homens inĂșteis.

Nunca Estamos em Nós, Estamos Sempre Além

Os que acusam os homens de ir sempre perseguindo boquiabertos as coisas futuras, e ensinam a nos apossarmos dos bens actuais e a sossegarmos neles por nĂŁo termos nenhum domĂ­nio sobre o que estĂĄ para vir, atĂ© bem menos do que o temos sobre o que passou, referem-se ao mais comum dos erros humanos – se Ă© que ousam chamar de erro algo que a prĂłpria natureza nos encaminha para servirmos Ă  continuação da sua obra, imprimindo-nos, como muitas outras, essa fantasia enganadora, mais ciosa da nossa acção que do nosso saber. Nunca estamos em nĂłs, estamos sempre alĂ©m. O temor, o desejo, a esperança lançam-nos para o futuro e roubam-nos a percepção e o exame do que Ă©, para entreter-nos com o que serĂĄ, atĂ© mesmo quando nĂŁo existirmos mais. Infeliz Ă© o espĂ­rito que se preocupa com o futuro (SĂ©neca).
Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio.

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O Meu CondĂŁo

Quis Deus dar-me o condĂŁo de ser sensĂ­vel
Como o diamante Ă  luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantĂĄstica, impossĂ­vel:
– Um bailado de cor e fantasia!

Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixĂŁo estranha, ardente, incrĂ­vel!
Erguer em mim o facho inextinguĂ­vel,
Como um cinzel vincando uma agonia!

Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– VĂŁos, os meus braços de crucificada,
InĂșteis, esses beijos que te dei!

Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…

Realidade

Sim, passava aqui frequentemente hĂĄ vinte anos…
Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isto —
Nesta localidade da cidade…

HĂĄ vinte anos!…
O que eu era entĂŁo! Ora, era outro…
HĂĄ vinte anos, e as casas nĂŁo sabem de nada…

Vinte anos inĂșteis (e sei lĂĄ se o foram!
Sei eu o que Ă© Ăștil ou inĂștil?)…
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhĂĄ-los?)

Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
HĂĄ vinte anos…
NĂŁo me lembro, nĂŁo me posso lembrar.

O outro que aqui passava, entĂŁo,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse…
Hå tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
De que esse eu-mesmo que hĂĄ vinte anos passava por aqui!

Sim, o mistério do tempo.
Sim, o nĂŁo se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer…

Daquela janela do segundo andar, ainda idĂȘntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu,

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A ImportĂąncia da Autoridade

É inĂștil alongar-me demoradamente sobre a importĂąncia da autoridade. SĂŁo muito poucas as pessoas civilizadas capazes de uma existĂȘncia perfeitamente autĂłnoma ou tĂŁo-sĂł de juĂ­zo independente. NĂŁo nos Ă© possĂ­vel representar em toda a sua amplitude a necessidade de autoridade e a fraqueza interior dos seres humanos.

Aleluia

Era a mulher — a mulher nua e bela,
Sem a impostura inĂștil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela…
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bĂ­blicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo — a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher — a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo…
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nĂłs, homens, o direito Ă  vida!