As leis inĂșteis, enfraquecem as leis necessĂĄrias.
Passagens sobre InĂșteis
383 resultadosA Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă porta dos edifĂcios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amorEm letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidianaUm homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperadoNĂŁo saĂram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativoUm homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂcia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂvel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
Ă preciso encontrĂĄ-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeiaHå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos
(…)
Sabia que era inĂștil resolver sobre o prĂłprio destino.
Ă inĂștil tentar reformar o que nĂŁo tem forma, como certas situaçÔes polĂticas e sociais.
Os leĂ”es tĂȘm uma grande força, mas esta ser-lhes-ia inĂștil se a natureza lhes nĂŁo tivesse dado olhos.
Acordar
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar atravĂ©s da vigĂlia e do sono.Toda a manhĂŁ que raia, raia sempre no mesmo lugar,
NĂŁo hĂĄ manhĂŁs sobre cidades, ou manhĂŁs sobre o campo.
Ă hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares sĂŁo o mesmo lugar, todas as terras sĂŁo a mesma,
E Ă© eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.Uma espiritualidade feita com a nossa prĂłpria carne,
Um alĂvio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
SĂŁo os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vĂŁo leste-oeste,
SejaA mulher que chora baixinho
Entre o ruĂdo da multidĂŁo em vivas…
NĂłs Ă© Que NĂŁo Estamos Prontos
NĂłs Ă© que nĂŁo estamos prontos. Os objectos da nossa felicidade existem hĂĄ dias, anos, talvez sĂ©culos; esperam que a luz se faça em nossos olhos para os vermos, e que o vigor chegue aos nossos braços para os agarrarmos. Eles esperam e espantam-se de hĂĄ tanto tempo ali estarem inĂșteis. Sofremos, sofremos de cada vez que duvidamos de alguĂ©m ou de qualquer coisa, mas o nosso sofrimento transforma-se em alegria logo que apreendemos, nessa pessoa ou nessa coisa, a beleza imortal que nos fazia amĂĄ-la.
Um inĂștil. Mas Ă© tĂŁo justo sĂȘ-lo!
Soneto Da Mulher InĂștil
De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tĂŁo de leve sinto-te no peito
Que o meu prĂłprio suspiro te levanta.To contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nĂvea garganta
Branco pĂĄssaro fiel com que me deito.Mulher inĂștil, quando nas noturnas
CelebraçÔes, nĂĄufrago em teus delĂrios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumasSĂŁo teus seios tĂŁo tristes como urnas
SĂŁo teus braços tĂŁo finos como lĂrios
Ă teu corpo tĂŁo leve como plumas.
As Canseiras Destinam-se a Satisfazer os Luxos
Nos dias de hoje, quem consideras tu como sĂĄbio? O tĂ©cnico que sabe montar repuxos de ĂĄgua perfumada atravĂ©s de canalizaçÔes invisĂveis, o que Ă© capaz de encher ou esvaziar num instante os canais artificiais, o que sabe dar diversas disposiçÔes aos caixotĂ”es mĂłveis do tecto de modo a que o salĂŁo de banquetes vĂĄ mudando de decoração Ă medida que vĂŁo surgindo os vĂĄrios pratos? Ou antes aquele que demonstra, a si mesmo e aos outros, que a natureza nos nĂŁo impĂ”e nada que seja duro e difĂcil, que para termos uma casa nĂŁo carecemos de marmoristas ou de marceneiros, que para nos vestirmos nĂŁo dependemos do comĂ©rcio da seda, em suma, que para dispormos do essencial Ă vida quotidiana nos basta aquilo que a terra nos apresenta Ă superfĂcie? Se a humanidade se dispusesse a seguir os conselhos de um tal homem imediatamente perceberia que tĂŁo inĂștil Ă© o cozinheiro como o soldado!
Os antigos, esses homens que satisfaziam sem quaisquer excessos as suas necessidades fĂsicas, eram de facto sĂĄbios, ou pelo menos muito prĂłximo de o serem. Para se obter o indispensĂĄvel nĂŁo Ă© preciso muito esforço; as canseiras destinam-se a satisfazer os luxos. Tu podes dispensar todos os tĂ©cnicos: basta que sigas a natureza!
Homens Exageradamente Subtis
Os homens exageradamente subtis raro sĂŁo grandes homens, e as suas pesquisas sĂŁo, na maior parte dos casos, tĂŁo inĂșteis como requintadas. Afastam-se cada vez mais da vida prĂĄtica, de que se deveriam aproximar. Assim como os mestres de dança ou de esgrima nĂŁo começam por ensinar a anatomia dos braços e das pernas, tambĂ©m uma filosofia sĂŁ e utilizĂĄvel deve partir de muito mais alto do que todas as suas especulaçÔes. «Deve pĂŽr-se o pĂ© assim para se nĂŁo cair» e «é necessĂĄrio acreditar nisto pois seria absurdo nĂŁo acreditar», constituem bases muito boas.
As pessoas que quiserem ir mais longe podem fazĂȘ-lo, mas sem pensarem que fazem algo de grande, porque se tudo resultar, nada mais encontrarĂŁo, no fim de contas, do que aquilo que o homem razoĂĄvel sabia hĂĄ muito.
O homem que faz uma nova demonstração do dĂ©cimo segundo teorema de Euclides merece ser chamado engenhoso, mas nem por isso contribuirĂĄ mais para o alargamento das fronteiras da ciĂȘncia do que se nĂŁo tivesse feito tal invenção. Mas nunca, por certo, chegareis a convencer o cĂ©ptico, porque que argumento deste mundo serĂĄ capaz de convencer um homem capaz de acreditar em absurdidades? E alguĂ©m que quer ser convencido merecerĂĄ ser refutado?
Sei que metade da publicidade que faço Ă© inĂștil. Mas nĂŁo sei qual Ă© a metade inĂștil.
O melhor governo Ă© aquele em que hĂĄ o menor nĂșmero de homens inĂșteis.
Sentirmo-nos inĂșteis ainda Ă© pior do que nos sentirmos culpados.
Sem instrução, as melhores leis tornam-se inĂșteis.
Nunca Estamos em Nós, Estamos Sempre Além
Os que acusam os homens de ir sempre perseguindo boquiabertos as coisas futuras, e ensinam a nos apossarmos dos bens actuais e a sossegarmos neles por nĂŁo termos nenhum domĂnio sobre o que estĂĄ para vir, atĂ© bem menos do que o temos sobre o que passou, referem-se ao mais comum dos erros humanos – se Ă© que ousam chamar de erro algo que a prĂłpria natureza nos encaminha para servirmos Ă continuação da sua obra, imprimindo-nos, como muitas outras, essa fantasia enganadora, mais ciosa da nossa acção que do nosso saber. Nunca estamos em nĂłs, estamos sempre alĂ©m. O temor, o desejo, a esperança lançam-nos para o futuro e roubam-nos a percepção e o exame do que Ă©, para entreter-nos com o que serĂĄ, atĂ© mesmo quando nĂŁo existirmos mais. Infeliz Ă© o espĂrito que se preocupa com o futuro (SĂ©neca).
Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio.
O Meu CondĂŁo
Quis Deus dar-me o condĂŁo de ser sensĂvel
Como o diamante Ă luz que o alumia,
Dar-me uma alma fantĂĄstica, impossĂvel:
– Um bailado de cor e fantasia!Quis Deus fazer de ti a ambrosia
Desta paixĂŁo estranha, ardente, incrĂvel!
Erguer em mim o facho inextinguĂvel,
Como um cinzel vincando uma agonia!Quis Deus fazer-me tua… para nada!
– VĂŁos, os meus braços de crucificada,
InĂșteis, esses beijos que te dei!Anda! Caminha! Aonde?… Mas por onde?…
Se a um gesto dos teus a sombra esconde
O caminho de estrelas que tracei…
Realidade
Sim, passava aqui frequentemente hĂĄ vinte anos…
Nada estĂĄ mudado â ou, pelo menos, nĂŁo dou por isto â
Nesta localidade da cidade…HĂĄ vinte anos!…
O que eu era entĂŁo! Ora, era outro…
HĂĄ vinte anos, e as casas nĂŁo sabem de nada…Vinte anos inĂșteis (e sei lĂĄ se o foram!
Sei eu o que Ă© Ăștil ou inĂștil?)…
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhå-los?)Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
HĂĄ vinte anos…
NĂŁo me lembro, nĂŁo me posso lembrar.O outro que aqui passava, entĂŁo,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse…
Hå tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
De que esse eu-mesmo que hå vinte anos passava por aqui!Sim, o mistério do tempo.
Sim, o nĂŁo se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer…Daquela janela do segundo andar, ainda idĂȘntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu,
A ImportĂąncia da Autoridade
Ă inĂștil alongar-me demoradamente sobre a importĂąncia da autoridade. SĂŁo muito poucas as pessoas civilizadas capazes de uma existĂȘncia perfeitamente autĂłnoma ou tĂŁo-sĂł de juĂzo independente. NĂŁo nos Ă© possĂvel representar em toda a sua amplitude a necessidade de autoridade e a fraqueza interior dos seres humanos.
Aleluia
Era a mulher â a mulher nua e bela,
Sem a impostura inĂștil do vestido
Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se resumisse nela…
Mulher de seios duros e pequenos
Com uma flor a abrir em cada peito.
Era a mulher com bĂblicos acenos
E cada qual para os meus dedos feito.
Era o seu corpo â a sua carne toda.
Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
Luar de noite e manancial de boda,
Boca vermelha de sorrisos lassos.
Era a mulher â a fonte permitida
Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo…
Era a mulher e o seu amor fecundo
Dando a nĂłs, homens, o direito Ă vida!