Textos sobre Espírito de Friedrich Nietzsche

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Textos de espírito de Friedrich Nietzsche. Leia este e outros textos de Friedrich Nietzsche em Poetris.

A Sabedoria do Corpo

Tu dizes «eu» e orgulhas-te desta palavra. Mas há qualquer coisa de maior, em que te recusas a aceditar, é o teu corpo e a sua grande razão; ele não diz Eu, mas procede como Eu.
Aquilo que a inteligência pressente, aquilo que o espírito reconhece nunca em si tem o seu fim. Mas a inteligência e o espírito quereriam convencer-te que são o fim de todas as coisas; tal é a sua soberba.
Inteligência e espírito não passam de instrumentos e de brinquedos; o Em si está situado para além deles. O Em si informa-se também pelos olhos dos sentidos, ouve também pelos ouvidos do espírito.
O Em si está sempre à escuta, alerta; compara, submete; conquista, destrói. Reina, e é também soberano do Eu.
Por detrás dos teus pensamentos e dos teus sentimentos, meu irmão, há um senhor poderoso, um sábio desconhecido: chama-se o Em si. Habita no teu corpo, é o teu corpo.
Há mais razão no teu corpo do que na própria essência da tua sabedoria.

O Embuste dos Artistas e Escritores

Estamos habituados, perante tudo o que é perfeito, a omitir a questão do seu processo evolutivo, regozijando-nos antes com a sua presença, como se ele tivesse saído do chão por artes mágicas. Provavelmente, estamos ainda, neste caso, sob o efeito residual de um antiquíssimo sentimento mitológico. Quase nos sentimos ainda (por exemplo, num templo grego como o de Pesto) como se, numa manhã, um deus, brincando, tivesse construído a sua morada com tão gigantescos fardos. Outras vezes, como se um espírito tivesse subitamente sido metido por encanto dentro duma pedra e quisesse, agora, falar através dela. O artista sabe que a sua obra só produz pleno efeito, se fizer crer numa improvisação, numa miraculosa instantaneidade da sua criação; e, assim, ele ajuda mesmo a essa ilusão, introduzindo na arte, ao começo da sua criação, aqueles elementos de entusiástica inquietação, de desordem que tacteia às cegas, de sonho atento, como forma de iludir, a fim de dispor o espírito do espectador ou do ouvinte de modo a que ele creia no súbito brotar da perfeição.
A ciência da arte, como é evidente, tem de contradizer essa ilusão da maneira mais determinada e apontar as conclusões erróneas e os maus hábitos do intelecto,

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A Felicidade e a Virtude Não São Argumentos

Ninguém tomará facilmente por verdadeira uma doutrina somente porque ela torna felizes ou virtuosos os homens: exceptuando, talvez, os amáveis «idealistas» que se entusiasmam pelo Bom, o Verdadeiro, o Belo e fazem nadar, no seu charco, toda a espécie de variegadas, pesadonas e bonacheironas idealidades. A felicidade e a virtude não são argumentos. Mas de bom grado se esquece, mesmo os espíritos ponderados, que tornar infeliz e tornar mau não são tão-pouco contra-argumentos. Uma coisa deveria ser certa, embora fosse muitíssimo prejudicial e perigosa; seria até possível fazer parte da estrutura básica da existência o perecermos por causa do nosso conhecimento total, – de forma que a força de um espírito se mediria justamente pela quantidade de «verdade» que era capaz de suportar ou, mais claramente, pelo grau em que necessitasse de a diluir, velar, adocicar, embotar, falsificar. Mas está fora de dúvida o facto de os maus e infelizes serem mais favorecidos e terem maior possibilidade de êxito na descoberta certas partes da verdade; para não falar dos maus que são felizes, – espécie que os moralistas passam em silêncio.

É possível que a dureza e a astúcia forneçam, para o desenvolvimento do espírito e do filósofo firmes e independentes,

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A Moral é uma Interpretação Falsa de Certos Fenómenos

O juízo moral tal como o juízo religioso baseia-se em realidades que não o são. A moral é unicamente uma interpretação de certos fenómenos, dito de forma mais precisa, uma interpretação falsa. O juízo moral, da mesma forma que o religioso, corresponde a um grau de ignorância ao qual ainda falta o conceito do real, a distinção entre o real e o imaginário: de tal forma que, a esse nível, a palavra «verdade» designa simplesmente coisas a que nós hoje chamamos «imaginações». O juízo moral, por conseguinte, não deve ser tomado nunca à letra: porque tal constituiria unicamente um contra-senso. Porém enquanto semiótica, não deixa de ser inestimável: revela, pelo menos para o entendido, as realidades mais valiosas das culturas e dos espíritos que não sabiam o bastante para se «compreenderem» a si mesmos. A moral é meramente um falar por sinais, meramente uma sintomatologia: há que saber já de que se trata para obtermos proveito dela.

Prejudicar a Estupidez

A reprovação do egoísmo, que se pregou com tamanha convicção casmurra, prejudicou certamente, no conjunto, esse sentimento (em benefício, hei-de repeti-lo milhares e milhares de vezes, dos instintos gregários do homem), e prejudicou-o, nomeadamente no facto de o ter despojado da sua boa consciência e de lhe ter ordenado a procurar em si próprio a verdadeira fonte de todos os males. «O teu egoísmo é a maldição da tua vida», eis o que se pregou durante milénios: esta crença, como eu ia dizendo, fez mal ao egoísmo; tirou-lhe muito espírito, serenidade, engenhosidade e beleza; bestializou-o, tornou-o feio, envenenado.
Os filósofos antigos indicavam, ao contrário, uma fonte completamente diferente para o mar; os pensadores não cessaram de pregar desde Sócrates: «É a vossa irreflexão, são a vossa estupidez, o vosso hábito de vegetar obedecendo à regra e de vos subordinar ao juízo do próximo, que vos impedem tão amiudadamente de serdes felizes; somos nós, pensadores, que o somos mais, porque pensamos». Não nos perguntemos aqui se este sermão contra a estupidez tem mais fundamentos do que o sermão contra o egoísmo; o que é certo é que despojou a estupidez da sua boa consciência: estes filósofos foram prejudiciais à estupidez!

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Todo o Grande Homem é Céptico

Todo o grande homem é, necessariamente, céptico, ainda que possa não o mostrar: pelo menos se a grandeza dele consistir em querer uma coisa grande e grandes meios para realizá-la. A liberdade em relação a todas as convicções faz parte da sua vontade: o que está em conformidade com o “despotismo esclarecido” que todas as grandes paixões exercem. Uma paixão dessa espécie põe o intelecto ao seu serviço e tem a coragem de fazer uso até de certos meios proibidos – dos quais se serve, mas aos quais não se submete.
A necessidade de crer, a necessidade de um sim e de um não absolutos é sinal de fraqueza, e toda a fraqueza é uma fraqueza da vontade. O homem de fé, o crente é, necessariamente, de uma espécie inferior; disso resulta a liberdade de espírito, ou seja, a descrença instintiva: uma condição de grandeza.

Quantos Séculos Precisa um Espírito para Ser Compreendido?

Os maiores acontecimentos e os maiores pensamentos – mas os maiores pensamentos são os maiores acontecimentos – são os que mais tarde se compreendem: as gerações que lhes são contemporâneas não vivem esses acontecimentos, – passam por eles. Acontece aqui algo de análogo ao que se observa no domínio dos astros. A luz das estrelas mais distantes chega mais tarde aos homens; e antes da sua chegada, os homens negam que ali – existam estrelas. “Quantos séculos precisa um espírito para ser compreendido?” – aí está também uma medida, um meio de criar uma hierarquia e uma etiqueta necessárias: para o espírito e para a estrela.