CidadĂŁo do Mundo

De todas as grandes tiradas da HistĂłria, em boa verdade, aquela que eu mais depressa aprendera a detestar fora essa do «cidadĂŁo do mundo», com que a classe mĂ©dia de Lisboa tanto gostava de encher a boca atĂ© que alguĂ©m a reconhecesse globetrotter, portadora de cartĂŁo de crĂ©dito e representante dessa nova burguesia do resort de quatro estrelas e da máquina fotográfica digital. Porque ser de todo o lado, percebi-o eu assim que extravasei os limites da terra-mĂŁe, nĂŁo podia significar outra coisa senĂŁo que nĂŁo se era de lado nenhum – e nĂŁo ser de lado nenhum, nĂŁo ter um lugar, um canto de mundo a que regressar, parecera-me sempre a mais triste de todas as condições. Para ser sincero, e apesar das já quase duas dĂ©cadas que levava de exĂ­lio, eu continuava a voltar Ă  terra como se realmente pudesse acordar ao contrário, contorcendo-me e espreguiçando-me e depois fechando-me em concha, atĂ©, enfim, adormecer. E, se de alguĂ©m ainda conseguia desdenhar com algum mĂ©todo, assim despertando da letargia que nos Ăşltimos anos me deixara impávido perante cada vez mais coisas, perante a dor e o prĂłprio prazer, era daqueles que viviam longe há dez ou vinte ou trinta ou mesmo quarenta anos e,

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