Textos de Hermann Hesse

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Textos de Hermann Hesse. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Unicidade e Sacralidade da Vida

Experimentai a felicidade da dedicação e entrega, a felicidade da modéstia e simplicidade e a felicidade da cooperação e solicitude! Nenhum outro caminho vos conduz tão rápida e tão seguramente no sentido do conhecimento da unicidade e sacralidade da vida! Nenhum outro caminho tão-pouco vos conduz com tanta certeza ao objectivo da arte de viver, à alegre superação do egoísmo – jamais através da renúncia da personalidade, mas mediante o seu mais elevado desenvolvimento.

A Falsa Unidade

Nenhum eu, nem mesmo o mais ingénuo, é uma unidade, antes sim um mundo extremamente multifacetado, um pequeno céu estrelado, um caos de formas, estádios e condições, heranças e possibilidades. O facto de cada um por si aspirar a considerar este caos uma unidade, e falar do seu eu como se se tratasse de uma manifestação simples, fixa e solidamente modelada, claramente delimitada – esse engano, que é inerente a qualquer ser humano (mesmo superior), parece ser uma necessidade, uma exigência da vida, como a respiração ou a alimentação.
O erro assenta numa simples transferência. De corpo, todo o homem é uno; de alma, nunca.

O Amargo Destino do Sonho

Aí residia a sua força e a sua virtude, aí era invergável e incorruptível, aí o seu carácter era firme e rectilíneo. No entanto, esta virtude trazia estreitamente ligados a si também o seu sofrimento e o seu destino.
Acontecia-lhe o que a todos acontece: aquilo que por impulso da sua mais íntima natureza demandava e em que se empenhava com a maior pertinácia, era-lhe concedido, mas ultrapassando aquilo que ao homem é benéfico. O que começava por ser sonho e felicidade, redundava em amargo destino. O homem do poder destói-se pelo poder, o homem do dinheiro, pelo dinheiro, o subserviente pelo servir, o sequioso de prazer pela luxúria.

Não Há Dor Que Justifique a Fuga

A escuridão, as trevas desesperadas, é esse o círculo terrível da vida do dia-a-dia. Por que é que uma pessoa se levanta de manhã, come, bebe e se deita outra vez? A criança, o selvagem, o jovem saudável, o animal não padecem sob a rotina deste círculo de coisas e actividades indiferentes. Aquele a quem os pensamentos não atormentam, alegra-se com o levantar pela manhã e com o comer e o beber, acha que é o suficiente e não quer outra coisa.
Mas quem viu esta naturalidade perder-se, procura no decurso do dia, ansioso e desperto, os momentos da verdadeira vida cujas cintilações o tornam feliz e que apagam a sensação de que o tempo reúne em si todos os pensamentos relativos ao sentido e ao objectivo de tudo. Podem chamar a esses momentos, momentos criadores, porque parece que trazem a sensação de união com o criador, porque se sente tudo como desejado, mesmo que seja obra do acaso. É aquilo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a luz muito clara desses momentos que faz parecer tudo tão escuro, talvez a libertadora e maravilhosa leveza desses momentos faça sentir o resto da vida tão pesada,

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A Arte de Viver, pela Fantasia

A fantasia é a mãe da satisfação, do humor, da arte de viver. Apenas floresce alicerçada num íntimo entendimento entre o ser humano e aquilo que objectivamente o rodeia. Esse ambiente envolvente não tem de ser belo, singular ou sequer encantador. Basta que tenhamos tempo para a ele nos habituarmos, e é sobretudo isso que hoje em dia nos falta.

A Sabedoria da Velhice

Aquele que envelhece e que segue atentamente esse processo poderá observar como, apesar de as forças falharem e as potencialidades deixarem de ser as que eram, a vida pode, até bastante tarde, ano após ano e até ao fim, ainda ser capaz de aumentar e multiplicar a interminável rede das suas relações e interdependências e como, desde que a memória se mantenha desperta, nada daquilo que é transitório e já se passou se perde.

A Busca da Verdade

A verdade é um ideal tipicamente jovem, o amor, por seu turno, um ideal das pessoas maduras e daqueles que se esforçam por estar preparados para enfrentar a diminuição das energias e a morte. As pessoas que pensam só deixam de ambicionar a verdade quando se dão conta que o ser humano está extraordinariamente mal dotado pela natureza para o reconhecimento da verdade objectiva, pelo que a busca da verdade não poderá ser a actividade humana por excelência.
Mas também aqueles que jamais chegam a tais conclusões fazem, no decurso das suas experiências inconscientes, um percurso semelhante. Ter consigo a verdade, a razão e o conhecimento, conseguir distinguir com precisão entre o Bem e o Mal, e, em consequência disso, poder julgar, punir e sentenciar, poder fazer e declarar a guerra – tudo isto é próprio dos jovens e é à juventude que assenta bem. Se, porém, quando envelhecemos, continuamos a ater-nos a estes ideais, fenece a já se si pouco vigorosa capacidade de «despertar» que possuímos, a capacidade de reconhecer instintivamente a verdade sobre-humana.

A Idade só se Aplica às Pessoas Vulgares

A tendência para colocar uma ênfase especial ou organizar a juventude nunca me foi cara; para mim, a noção de pessoa velha ou nova só se aplica às pessoas vulgares. Todos os seres humanos mais dotados e mais diferenciados são ora velhos ora novos, do mesmo modo que ora são tristes ora alegres. É coisa dos mais velhos lidar mais livre, mais jovialmente, com maior experiência e benevolência com a própria capacidade de amar do que os jovens. Os mais idosos apressam-se sempre a achar os jovens precoces demasiado velhos para a idade, mas são eles próprios que gostam de imitar os comportamentos e maneiras da juventude, eles próprios são fanáticos, injustos, julgam-se detentores de toda a verdade e sentem-se facilmente ofendidos. A idade não é pior que a juventude, do mesmo modo que Lao-Tsé não é pior que Buda e o azul não é pior que o vermelho. A idade só perde valor quando quer fingir ser juventude.

Grandes Momentos Irreversíveis

Os instantes de grande dor ou de grande agitação, mesmo na história universal, têm uma necessidade que convence; desencadeiam um sentido da actualidade e um sentimento de tensão que nos oprimem. Essa agitação pode provocar seguidamente a vinda da beleza e da luz, assim como da loucura e das trevas; o que se produz reveste, em todo o caso, as aparências da grandeza, da necessidade, da importância; distingue-se e destaca-se dos acontecimentos quotidianos.

Juventude Madura

À medida que conquistamos a maturidade tornamo-nos mais jovens. Comigo passa-se isso mesmo, muito embora tal não queira dizer muito, pois mantive sempre o mesmo sentimento perante a vida desde os anos de rapaz; nunca deixei de encarar a minha vida adulta e o envelhecimento como uma espécie de comédia.

A Recuperação da Alma

Quando a uma árvore são cortados os ramos da copa, vão-lhe nascendo mais perto da raiz novos rebentos. Do mesmo modo, também as almas que ao despontar adoecem e quase fenecem regressam frequentemente à primavera dos sentimentos, à apreensiva infãncia onde tudo começa, como se aí pudessem encontrar novas esperanças e reatar o fio condutor da vida que antes fora quebrado. Os rebentos que brotaram perto das raízes anseiam por uma rápida ascensão, mas tudo não passa de uma ilusão, pois nunca a partir deles se voltará a desenvolver uma verdadeira árvore.

A Fronteira entre a Juventude e a Velhice

Creio que se pode traçar uma fronteira muito precisa entre a juventude e a velhice. A juventude acaba quando termina o egoísmo, a velhice começa com a vida para os outros. Ou seja: os jovens têm muito prazer e muita dor com as suas vidas, porque eles a vivem só para eles. Por isso todos os desejos e quedas são importantes, todas as alegrias e dores são vividas plenamente, e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos, desperdiçam toda uma vida. Isso é a juventude. Mas para a maior parte das pessoas vem o tempo em que tudo se modifica, em que vivem mais para os outros, não por virtude, mas porque é assim. A maior parte constitui família. Pensa-se menos em nós próprios e nos nossos desejos quando se tem filhos. Outros perdem o egoísmo num escritório, na política, na arte ou na ciência. A juventude quer brincar, os adultos trabalhar.
Não há quem se case para ter filhos, mas quando chegam, modificamo-nos, e acabamos por perceber que tudo aconteceu por eles. Da mesma forma, a juventude gosta de falar na morte, mas nunca pensa nela; com os velhos acontece o contrário. Os jovens acreditam ser eternos e centram todos os desejos e pensamentos sobre si próprios.

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Construir uma Personalidade

Nem todos estão predestinados a terem a oportunidade de criar a sua própria personalidade, a maioria permanece numa cópia de um tipo de personalidade, sem nunca chegarem à experiência de se tornarem um indivíduo com identidade própria. Mas aqueles que o conseguem, inevitavelmente descobrem que a luta pela personalidade envolve o conflito com as vidas normais das pessoas comuns e os valores tradicionais e convenções burguesas que defendem. A personalidade é o produto do confronto entre duas forças opostas, o impulso de criar uma vida própria, e a insistência do mundo que nos rodeia em que nos conformemos a ele. Ninguém consegue desenvolver uma personalidade a menos que esteja mentalizado para passar por experiências revolucionárias. A extensão dessas experiências difere, claro, de pessoa para pessoa, assim como a capacidade de conduzirem uma vida que é verdadeiramente pessoal e única.

A Serenidade

A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.

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A Fama Não Conhece Virtudes

As pessoas fazem exigências aos nomes que se tornam conhecidos de forma singular, não há diferença entre uma criança prodígio, um compositor, um poeta, um assassino. Há um que quer ter o seu retrato, o outro o seu autógrafo, um terceiro pede dinheiro, todos os colegas mais novos mandam os seus trabalhos com muitas lisonjas e pedem uma apreciação, e tanto faz não dar resposta como expressar a sua opinião, de repente aquele que venerava fica furioso, torna-se cruel e quer vingança. As revistas querem publicar o retrato do homem, os jornais contam a sua vida, as suas origens, falam do seu aspecto. Colegas de escola fazem-se conhecidos, e parentes distantes queriam já há anos dizer que o primo havia de ser famoso.