Estar Sozinho

Tornei-me um homem da multidĂŁo. Nunca confiei em mim prĂłprio o bastante para estar sozinho. Dia e noite caminhava lestamente atravĂ©s das multidĂ”es, acotovelando, agarrando-me ansioso a quem pudesse. Muitos pensavam que eu era ladrĂŁo. Mas comprimia o meu corpo contra o corpo dos outros como uma criança se agarra Ă  mĂŁe durante uma tempestade. Procurava tapar os olhos Ă  minha consciĂȘncia como uma criança procura nĂŁo avistar o relĂąmpago; esforçava-me por tapar os meus ouvidos mentais, como uma criança procura esconder-se no regaço da mĂŁe para nĂŁo ouvir o som dos trovĂ”es. E se houvesse uma clareira nessa multidĂŁo, apressava-me, corria, os braços esticados, ansioso pelo toque do corpo de alguĂ©m, o meu prĂłprio corpo ansioso pelo contacto fugaz. E sempre, sempre, entre a confusĂŁo e o ruĂ­do das passadas, tremia a ouvir esses passos constantes, inexorĂĄveis.