O Intelectual e o Meio
Ser intelectual e fazer parte dos intelectuais sĂŁo duas coisas que simultaneamente se identificam e opõem. Há um determinismo de colectividade; assim, os gafanhotos isolados sĂŁo insectos amáveis, cada um devotado aos seus pequenos assuntos, tendo cada um o seu comportamento. Mas a partir de uma certa densidade, de resto demasiado fraca, tornam-se uma turba onde as individualidades desaparecem, perdem a sua cor esverdeada em troca de um uniforme e padronizado amarelo-acizentado, adquirem um comportamento estereotipado e transformam-se em impiedosos devoradores, destruindo tudo o que for obstáculo ao seu frenesim. Da mesma forma, os intelectuais sĂŁo, isoladamente, simpáticos indivĂduos, cada um dedicado Ă sua obra, mas a sua reuniĂŁo em sociedade faz deles monstros.
Textos sobre Monstros de Edgar Morin
3 resultadosCrueldade e Sofrimento
A crueldade Ă© constitutiva do universo, Ă© o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, Ă© ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recĂ©m-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais tambĂ©m, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo Ă© sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espĂrito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espĂrito, e que, pelo espĂrito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.
A crueldade entre homens, indivĂduos, grupos, etnias, religiões, raças Ă© aterradora. O ser humano contĂ©m em si um ruĂdo de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O Ăłdio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O Ăłdio abstracto por uma ideia ou uma religiĂŁo transforma-se em Ăłdio concreto por um indivĂduo ou um grupo;
Personalidades Potenciais
Trazemos connosco personalidades potenciais que acontecimentos ou acidentes podem potencializar. Assim, a Revolução fez surgir o gĂ©nio polĂtico ou militar nos jovens destinados a uma carreira medĂocre numa Ă©poca normal; a guerra provoca o advento de herĂłis e de carrascos; a ditadura totalitária transformou seres pálidos em monstros. O exercĂcio incontrolado do poder pode «tornar o sábio louco» (Alain) mas pode tornar sábio o louco, e dar gĂ©nio ao medĂocre, como no caso de Hitler e Estaline. E tambĂ©m as possibilidades de gĂ©nio ou de demĂŞncia, de crueldade ou de bondade, de santidade ou de monstruosidade, virtuais em todos os seres, podem desenvolver-se em circunstâncias excepcionais.
Inversamente, estas possibilidades nunca chegarão à luz do dia na chamada vida normal: nos nossos dias, César seria funcionário da CEE, Alexandre teria escrito uma vida de Aristóteles para uma colecção de divulgação, Robespierre seria adjunto de Pierre Mauroy na Câmara de Arras, e Bonaparte seria do séquito de Pascua.