Textos sobre Mundo de Eça de Queirós

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Textos de mundo de Eça de Queirós. Leia este e outros textos de Eça de Queirós em Poetris.

A Gloriola do Jornal

O jornal estende sobre o mundo as suas duas folhas, salpicadas de preto, como aquelas duas asas com que os iconografistas do século XV representavam a Luxúria ou a Gula: e o Mundo todo se arremessa para o jornal, se quer agachar sob as duas asas que o levem à gloriola, lhe espalhem o nome pelo ar sonoro. E é por essa gloriola que os homens se perdem, e as mulheres se aviltam, e os Políticos desmancham a ordem do Estado, e os Artistas rebolam na extravagância estética, e os Sábios alardeiam teorias mirabolantes, e de todos os cantos, em todos os géneros, surge a horda ululante dos charlatães… (Como me vim tornando altiloquente e roncante!…) Mas e a verdade, meu Bento! Vê quantos preferem ser injuriados a serem ignorados! (Homenzinhos de letras, poetisas, dentistas, etc.). O próprio mal apetece sofregamente as sete linhas que o maldizem. Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam. Até o velho instinto da conservação cede ao novo instinto da notoriedade – e existe tal maganão, que ante um funeral convertido em apoteose pela abundância das coroas, dos coches e dos prantos oratórios, lambe os beiços, pensativo, e deseja ser o morto.

O Que Verdadeiramente Mata Portugal

O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.

Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação.

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A Única Crítica é a Gargalhada

A única crítica é a gargalhada! Nós bem o sabemos: a gargalhada nem é um raciocínio, nem um sentimento; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma. E no entanto é o único comentário do mundo político em Portugal. Um Governo decreta? gargalhada. Reprime? gargalhada. Cai? gargalhada. E sempre esta política, liberal ou opressiva, terá em redor dela, sobre ela, envolvendo-a como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, e cruel – a gargalhada! Política querida, sê o que quiseres, toma todas as atitudes, pensa, ensina, discute, oprime – nós riremos. A tua atmosfera é de chalaça.

O Espírito é a Arma da Diplomacia

Ser espirituoso é metade de ser diplomata. (…) O espírito move tudo e não responde por coisa alguma: ele é a eloquência da alegria, e o entrincheiramento das situações difíceis: salva uma crise fazendo sorrir: condensa em duas palavras a crítica de uma instituição: disfarça às vezes a fraqueza de uma opinião, acentua outras vezes a força de uma ideia: é a mais fina salvaguarda dos que não querem definir-se francamente: tira a intransigência às convicções, fazendo-lhes cócegas: substitui a razão quando não substitui a ciência, dá uma posição no mundo, e, adoptado como um sistema, derruba um império. E, sobretudo pelo indefinido que dá à conversação, ele é a arma verdadeira da diplomacia.

O Jornal é o Fole Incansável que Assopra a Vaidade Humana

Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da Vaidade! (…) Como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do Mundo, ou nas direcções do pensamento , do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades! O jornal é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! Já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal!

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Caridade Hipócrita

Nos últimos tempos, preocupava-o sobretudo as misérias das classes – por sentir que nestas democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornavam mais secas e menos capazes de piedade.
«A Fraternidade (dizia ele numa carta de 1886, que conservo) vai-se sumindo, principalmente nestas vastas colmeias de cal e pedra onde os homens teimam em se amontoar e lutar; e, através do constante deperecimento dos costumes e das simplicidades rurais, o Mundo vai rolando a um egoísmo feroz. A primeira evidência deste egoísmo é o desenvolvimento ruidoso da filantropia. Desde que a caridade se organiza e se consolida em instituição, com regulamentos, relatórios, comités, sessões, um presidente e uma campainha, e do sentimento natural passa a função oficial – é porque o homem, não contando já com os impulsos do seu coração, necessita obrigar-se publicamente ao bem pelas prescrições dum estatuto.Com os corações assim duros e os Invernos tão longos, que vai ser dos pobres?…»

Uma Nação só Vive porque Pensa

Uma nação só vive porque pensa. Cogitat ergo est. A força e a riqueza não bastam para provar que uma nação vive duma vida que mereça ser glorificada na História – como rijos músculos num corpo e ouro farto numa bolsa não bastam para que um homem honre em si a Humanidade. Um reino de África, com guerreiros incontáveis nas suas aringas e incontáveis diamantes nas suas colinas, será sempre uma terra bravia e morta, que, para lucro da Civilização, os civilizados pisam e retalham tão desassombradamente como se sangra e se corta a rês bruta para nutrir o animal pensante. E por outro lado se o Egipto ou Tunis formassem resplandescentes centros de ciências, de literaturas e de artes, e, através de uma serena legião de homens geniais, incessantemente educassem o mundo – nenhuma nação mesmo nesta idade do ferro e de força, ousaria ocupar como um campo maninho e sem dono esses solos augustos donde se elevasse, para tornar as almas melhores, o enxame sublime das ideias e das formas.
Só na verdade o pensamento e a sua criação suprema, a ciência, a literatura, as artes, dão grandeza aos Povos, atraem para eles universal reverência e carinho,

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