Textos sobre Paciência de Miguel Esteves Cardoso

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Textos de paciência de Miguel Esteves Cardoso. Leia este e outros textos de Miguel Esteves Cardoso em Poetris.

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração.

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Amo-te, Portugal

Portugal,

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.

Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.

Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti.

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Não há Dicas para Namorar e Casar

Nunca me ensinaram as coisas realmente úteis: como é que um rapaz arranja uma noiva, que tipo de anel deve comprar, se pode continuar a sair para os copos com os amigos, se é preciso pedir primeiro aos pais, se tem de usar anel também. Palavra que fui um rapaz que estudou muito e nunca me souberam ensinar isto. Ensinaram-me tudo e mais alguma coisa sobre o sexo e a reprodução, sobre o prazer e a sedução, mas quanto ao namorar e casar, nada. E agora, como é que eu faço?

Passei a pente fino as melhores livrarias de Lisboa e não encontrei uma única obra que me elucidasse. Se quisesse fazer cozinha macrobiótica, descobrir o «ponto G» da minha companheira para ajudá-la a atingir um orgasmo mais recompensador, montar um aquário, criar míscaros ou construir um tanque Sherman em casa, sim, existe toda uma vasta bibliografia. Para casar, nem um folheto. Nem um «dépliant». Nada. Nem um autocolante. Para apanhar SIDA sei exactamente o que devo fazer. Para apanhar a minha noiva não faço a mais pequena ideia.

Porque é que o Ministério da Juventude, em vez de esbanjar fortunas com iniciativas patetas (como aquela piroseira fascistóide dos Descobrimentos) e anúncios ridículos (como aqueles «Ya meu,

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Os Dias Bons

Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude.

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Parabéns, Amada Minha

Hoje é a Maria João, meu amor que me deu a sorte de gostar de ser amada por mim – e a ilusão, mais frequente do que a felicidade, de amar-me também – que faz anos, coincidindo com o dia em que nasceu, sempre o primeiro verdadeiro dia de Verão.
Parabéns, Maria João, Amada minha, rainha das minhas maiúsculas e das paciências do PÚBLICO; princesa de todos os pequenos momentos que se juntam para fazer a minha felicidade permanentemente instantânea e ameaçada.

Pensava que ias morrer e matar-me. Não só não morreste como me deixaste viver. O teu amor é a Primavera constante do meu coração mas a tua vida e o teu viver, como se não houvesse nada que te pudesse atrapalhar – tão longe da sobrevivência que inexplicavelmente é – é o ano inteiro, desde que nasci, desde a primeira vez que respirei o ar do mundo. E vivi. Facilmente. À tua espera. À espera da tua dificuldade. E do teu génio. E do teu espírito. E de tudo o que tens, sem saber, sem mostrar, sem fazer ideia do que vales, achando apenas que vales muito mais do que mereces. Merecendo, como tu mereces,

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Não Estás a Ver

Todos os dias, todos nós assistimos – seja como utentes, vítimas ou observadores – a uma prática irritantemente portuguesa.
Alguém faz uma longa e pormenorizada descrição de uma coisa extraordinária (ou, mais amiúde, banal) que lhe aconteceu. Nós ouvimos, com paciência e empatia exageradas, e comentamos conforme as mais bem equilibradas expectativas.
Descrevem-nos um momento de horror (“atravessou-se um gato na estrada, tive de desviar-me e quase bati noutro carro”) e, quando nós simpatizamos (muitos de nós tendo passado pela mesma experiência de medo de morrer ou matar), o nosso interlocutor dá como perdidos os quartos de hora que gastou a dar-nos uma narrativa completa e, apesar da nossa sincera afirmação de empatia (“Coitado! Sei exactamente o que sentiste!”), atira-nos invariavelmente à cara a mesma psicopática acusação: “Não estás a ver!”
É português pensar que aquilo que se sente ou que nos acontece não pode ser sentido ou acontecer a mais ninguém. Temos a ideia estúpida, avançada por Camões – do saber de experiência feito -, que cada um sabe o que sabe e vive o que vive. Dizer “não estás a ver” a quem vê perfeitamente – o mais das vezes espontaneamente – é uma espécie de distanciação.

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A Vida é Triste

A vida é triste por uma só razão. Não é a primeira (o ser curta). É comprida. Só parece curta a quem não sofre; a quem não quer que acabe.

A vida é triste por ser muito mais fácil iludirmo-nos do que somos capazes de nos desiludir. A ilusão, sem qualquer esforço da nossa parte, põe-nos nos píncaros. Estamos programados para isso. Não nos custa. Sabe-nos bem. Gostamos de ser enganados, desde que nos sintamos mais bem por causa disso.

Já a desilusão não só é difícil como custa muito mais. Nunca é bem-vinda. É uma força destruidora, a realidade. A morte, sendo inesperada — seja a morte intelectual, emotiva, sensível, amorosa ou física —, é sempre mais violenta do que a esperada, que raramente se adianta.

Cada vez que acordamos e lamentamos ter acordado; cada vez que adormecemos e agradecemos ter adormecido; estamos a rejeitar alegremente a vida. Não há outra maneira de a rejeitar. Viver, apesar de tudo, ainda é uma espécie de glória, sendo a glória o oposto do prazer.

Esperar muito — tanto no sentido louco da esperança como no sentido (cuja raiz latina vem de sofrer) masoquista de paciência – é pormo-nos a jeito para o sofrimento.

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Os Nossos Verdadeiros Amores

Quando se é novo é sempre a somar. Somam-se amigos, emoções, experiências, livros, canudos, sítios, responsabilidades, preocupações e ambições, vícios e prazeres que não viciam.

Até cada ano de vida que se viveu é celebrado como se fosse uma proeza. É triunfalmente que se chega aos 6, 10, 14, 18 ou 22 anos. E com razão. Ainda consigo lembrar-me que eram obra.

Depois, não sei a que a idade (é aquela em que nos deixamos de importar tanto com as coisas, daí nunca darmos por ela), começamos a compreender a alegria e a liberdade de subtrair coisas e pessoas que só nos pesam, roubando-nos tempo, paciência e a calma necessária para sobrevivermos e que se vão tornando, monstruosa e deliciosamente, cada vez maiores.

O tempo de subtrair é cruel e frio e imensamente libertador. Dá vida aos últimos anos de vida que temos. Sim, porque a vida acaba. A morte acontece e, irritantemente, dura para sempre. Há quem diga que é como o tempo antes de nascermos (até um génio como Samuel Beckett caiu neste pensamento impreciso) mas não é. O tempo depois de morrermos é sempre pior do que o tempo antes de nascermos.

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Alimentar o Amor

Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas actividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A actividade que eu mais amo e respeito é a actividade de manter.
Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Faltam-nos guardiões.

É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão.

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