A PolĂtica ao Sabor dos Humores Pessoais e Colectivos
Bem quero, mas nĂŁo consigo alhear-me da comĂ©dia democrĂĄtica que substituiu a tragĂ©dia autocrĂĄtica no palco do paĂs. SĂł nĂłs! DĂĄ vontade de chorar, ver tanta irreflexĂŁo. NĂŁo aprendemos nenhuma lição polĂtica, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glĂłria pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos Ă s nossas obsessĂ”es. NinguĂ©m aqui entende outra voz que nĂŁo seja a dos seus humores.
Ă humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidĂ”es impulsivas a todos os nĂveis da cidadania. Com oitocentos anos de HistĂłria, parecemos crianças sociais. Jogamos Ă s escondidas nos corredores das instituiçÔes.
Textos sobre PolĂtica de Miguel Torga
3 resultadosSomos Cidadãos Sem Laços de Cidadania
Ă escusado. Em nenhuma ĂĄrea do comportamento social conseguimos encontrar um denominador comum que nos torne a convivĂȘncia harmoniosa. Procedemos em todos os planos da vida colectiva como figadais adversĂĄrios. Guerreamo-nos na polĂtica, na literatura, no comĂ©rcio e na indĂșstria. Onde estĂŁo dois portugueses estĂŁo dois concorrentes hostis Ă PresidĂȘncia da RepĂșblica, Ă chefia dum partido, Ă gerĂȘncia dum banco, ao comando de uma corporação de bombeiros. NĂŁo somos capazes de reconhecer no vizinho o talento que nos falta, as virtudes de que carecemos. Diante de cada sucesso alheio ficamos transtornados. E vingamo-nos na sĂĄtira, na mordacidade, na maledicĂȘncia. Nas cidades ou nas aldeias, por fĂĄs e por nefas, nĂŁo hĂĄ ninguĂ©m sem alcunha, a todos Ă© colado um rabo-leva pejorativo. Quem quiser conhecer a natureza do nosso relacionamento, leia as polĂ©micas que travĂĄmos ao longo dos tempos. SĂŁo reveladoras. A celebrada carta de Eça a Camilo ou a tambĂ©m conhecida deste ao conselheiro Forjaz de Sampaio dĂŁo a medida exacta da verrina em que nos comprazemos no trato diĂĄrio. Gregariamente, somos um somatĂłrio de cidadĂŁos sem laços de cidadania.
As AtracçÔes Inferiores
Faz pena. A gente elege entre trinta mil almas meia dĂșzia de indivĂduos para conviver, e, afinal, chega perto deles a defender uma pureza polĂtica, uma pureza profissional, uma pureza sexual, e caem sobre nĂłs mil argumentos dum pragmatismo dĂșbio, suspeito, que confrange. Longe de se receber estĂmulo para combater as tentaçÔes, encontra-se um escorregadoiro conivente para o abismo delas. â Ă o meio â repito de cada vez, a tentar iludir-me. Mas Ă© inĂștil vendar o olhos. AtĂ© o meio geogrĂĄfico se pode vencer, quanto mais o meio social. Na luta contra as atracçÔes inferiores do ambiente humano Ă© que estĂĄ precisamente a beleza duma vida. O meio! Eles Ă© que sĂŁo o meio, assim perdidos, duplos, comprometidos com a podridĂŁo atĂ© Ă raiz.