Textos sobre Rugas de Pedro Chagas Freitas

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Textos de rugas de Pedro Chagas Freitas. Leia este e outros textos de Pedro Chagas Freitas em Poetris.

Todos os Corpos São Amáveis

Todos os corpos são feitos de tempo. Um dia, perceberam que nada era tão grande que apagasse as rugas, que nada era tão forte que apagasse os anos. Um dia perceberam que até o amor envelhece. Estavam, nesse dia, absolutamente nus diante da verdade. Ela viu que ele estava velho, ele viu que ela estava velha. Pensaram, por momentos, que eram os olhos que estavam equivocados, que tudo o que havia era o mesmo corpo de sempre, a mesma pele de sempre. Pensaram, por momentos, que eram os olhos, e nada mais, que estavam equivocados. Pensaram ainda que todos os corpos são amáveis, que todas as peles são adoráveis. E estavam certos.

A Morte Está atrás do Teu Beijo

A morte está atrás do teu beijo,
e não me interessa nada que não me possa matar.

Não quero trajectos sem calhaus, pessoas sem problemas, muito menos glórias sem lágrimas. Não quero o tédio de só continuar, a obrigação de suportar, andar na rotina só por andar. Não quero o vai-se andando, o é a vida, o tem de ser, nada que não me ponha a gemer. Não quero o prato sempre saudável, a saladinha impoluta, a cama casta, o sexo virgem. Não quero o sol o dia todo, a recta sem a mínima curva, não quero o preto liso nem o branco imaculado, não quero o poema perfeito nem a ortografia ilesa. Não quero aprender apenas com o professor, a palmadinha nas costas, o vá lá que isso passa, a microssatisfação, a minúscula euforia. Não quero os lábios sem língua, a língua sem prazer, fugir do que mete medo, e até acomodar-me ao que me faz doer. Quero o que não cabe no regular, o que não se entende nos manuais, o que não acontece nos guiões. Quero a ruga esquisita, a mão descuidada, a estrada arriscada, a chuva, o vento, as unhas cravadas, o animal do instante.

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A Grande Vantagem da Vida

– A grande vantagem da vida é ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescência a querer crescer. E depois percebemos que só quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos.
– Onde se perdem os sonhos?
– Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Queria ser como tu.
– E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista.
– O teu não se perde de vista?
– O meu faz-me perder a vista.

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