O Povo está Divorciado da Cultura
O povo está divorciado da cultura, e encolhe-se cada vez mais na sua fome e na sua ignorância. Somos nĂłs, os que saĂmos dele e o queremos verdadeiramente servir, que temos o dever de o procurar, de o esclarecer, de o interessar activamente na sua prĂłpria salvação. Que lhe importam os grandes livros, se ele os nĂŁo pode nem sequer ler? Que lhe importam as grandes sinfonias, se ele as nĂŁo sabe ouvir? Ă© urgente chamar o povo Ă realidade nacional. É preciso interessá-lo de verdade no processo social, onde ele tem o Ăşnico papel que conta.
— Para isso?…
— Convidá-lo desde já a votar livre e claramente. Chamá-lo a determinar-se, a escolher os seus homens, a responsabilizar-se no seu destino,
— Esse destino Ă©?…
— O destino de todos os corpos vivos: crescer, multiplicar-se, procurar a felicidade, e deixar no seu caminho uma nĂtida e aberta marca de compreensĂŁo e de amor.
Textos sobre Sociedade de Miguel Torga
5 resultadosAs Atracções Inferiores
Faz pena. A gente elege entre trinta mil almas meia dĂşzia de indivĂduos para conviver, e, afinal, chega perto deles a defender uma pureza polĂtica, uma pureza profissional, uma pureza sexual, e caem sobre nĂłs mil argumentos dum pragmatismo dĂşbio, suspeito, que confrange. Longe de se receber estĂmulo para combater as tentações, encontra-se um escorregadoiro conivente para o abismo delas. — É o meio — repito de cada vez, a tentar iludir-me. Mas Ă© inĂştil vendar o olhos. AtĂ© o meio geográfico se pode vencer, quanto mais o meio social. Na luta contra as atracções inferiores do ambiente humano Ă© que está precisamente a beleza duma vida. O meio! Eles Ă© que sĂŁo o meio, assim perdidos, duplos, comprometidos com a podridĂŁo atĂ© Ă raiz.
É Preciso Regressar ao Amigo Íntimo
Custa, mas o melhor Ă© ver o problema a toda a luz. No conceito do homem abstracto Ă© necessário afinal meter tanto estrume, que nĂŁo há entusiasmo que resista. Feito de mil incoerĂŞncias, movido por sentimentos ocasionais, preso a necessidades rudimentares, o bĂpede real, ao ser premido no molde da abstracção, rebenta a forma. E Ă© preciso regressar ao amigo Ăntimo, ao compadre, para se calcar terra firme. Numa palavra: nĂŁo há um homem-sĂmbolo que se possa venerar: há simples indivĂduos cujas virtudes e defeitos toleram um convĂvio social urbano.
A PolĂtica ao Sabor dos Humores Pessoais e Colectivos
Bem quero, mas nĂŁo consigo alhear-me da comĂ©dia democrática que substituiu a tragĂ©dia autocrática no palco do paĂs. SĂł nĂłs! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexĂŁo. NĂŁo aprendemos nenhuma lição polĂtica, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glĂłria pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos Ă s nossas obsessões. NinguĂ©m aqui entende outra voz que nĂŁo seja a dos seus humores.
É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os nĂveis da cidadania. Com oitocentos anos de HistĂłria, parecemos crianças sociais. Jogamos Ă s escondidas nos corredores das instituições.
O Adoçamento da PĂlula Vocabular
É curioso verificar atravĂ©s da lĂngua — espelho fiel de cada sociedade e de cada Ă©poca — como em certos aspectos essenciais da vida nĂŁo houve práticamente progresso nenhum, consistindo tudo quanto se fez num puro e vazio eufemismo de designação. Escravo, servo, criado, empregado, assalariado … ; demonĂaco, possesso, maluco, doido, doente, nevrosado…