Textos sobre Tentativa de Fernando Pessoa

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Textos de tentativa de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

Uma Alma Amante e Terna

Jamais houve alma mais amante ou terna do que a minha, alma mais repleta de bondade, de compaixão, de tudo o que é ternura e amor. Contudo, nenhuma alma há tão solitária como a minha – solitária, note-se, não mercê de circunstâncias exteriores, mas sim de circunstâncias interiores. O que quero dizer é: a par da minha grande ternura e bondade, entrou no mau carácter um elemento da natureza inteiramente oposto, um elemento de tristeza, egocentrismo, portanto de egoísmo, produzindo um efeito duplo: deformar e prejudicar o desenvolvimento e a plena acção interna daquelas outras qualidades, e prejudicar, deprimindo a vontade, a sua plena acção externa, a sua manifestação. Hei-de analisar isto; um dia hei-de examinar melhor, destrinçar, os elementos que constituem o meu carácter, pois a minha curiosidade acerca de tudo, aliada à minha curiosidade por mim próprio e pelo meu carácter, conduz a uma tentativa para compreender a minha personalidade.

O Provincianismo Português (I)

Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,

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