Teus medos tinham coral e praias e arvoredos.
Passagens sobre Corais
28 resultadosA Sofreguidão de um Instante
Tudo renegarei menos o afecto,
e trago um ceptro e uma coroa,
o primeiro de ferro, a segunda de urze,
para ser o rei efémero
desse amor único e breve
que se dilui em partidas
e se fragmenta em perguntas
iguais às das amantes
que a claridade atordoa e converte.
Deixa-me reinar em ti
o tempo apenas de um relâmpago
a incendiar a erva seca dos cumes.
E se tiver que montar guarda,
que seja em redor do teu sono,
num êxtase de lábios sobre a relva,
num delírio de beijos sobre o ventre,
num assombro de dedos sob a roupa.
Eu estava morto e não sabia, sabes,
que há um tempo dentro deste tempo
para renascermos com os corais
e sermos eternos na sofreguidão de um instante.
Ondados Fios D’ouro Reluzente
Ondados fios d’ouro reluzente,
que, agora da mão bela recolhidos,
agora sobre as rosas estendidos,
fazeis que sua beleza se acrescente;Olhos, que vos moveis tão docemente,
em mil divinos raios entendidos,
se de cá me levais alma e sentidos,
que fora, se de vós não fora ausente?Honesto riso, que entre a mor fineza
de perlas e corais nasce e parece,
se n’alma em doces ecos não o ouvisse!Se imaginando só tanta beleza
de si, em nova glória, a alma se esquece,
que fará quando a vir? Ah! quem a visse!
Estes Homens
estes homens
abrem as portas
do sol nascenteconhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pãoamam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulherestes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)erguem as paredes
as janelas crepusculares
as asfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaçoestes homens
tamisam cores: viajam nos navios
pescam no cisco das pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coralmoldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavrasestes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigasestes homens:
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
servos emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva;
Vermelho relâmpago irrompe do capim seco: a cobra coral.
Taça De Coral
Lícias, pastor – enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
– Sede também, sede maior, desmaia.Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d’água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.Bebe, e a golpe e mais golpe: – “Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!Outra que mais me aflige e me tortura,
E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata”,
Passagem das Horas
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite… Acordo de repente
Yat-iô–ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô … Ghi-…
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)…
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar…
Tempestades em torno ao Guardaful…
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada…
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo…Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei…
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos…
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
A um Desmaio por Causa de uma Sangria
Penetrou lanceta dura
Naquele valente braço:
Muita neve em pouco espaço,
Muita prata em neve pura.
De ambição não foi loucura,
Destino sim, e foi mais.
Que com circunstâncias tais
Descobriu um Potosi
Entre minas de corais.A fita que o braço atava
Vermelha e branca se via:
De vermelha se corria
E de branca se enfiava.
A prata se aprisionava,
Porém não falta quem diga
Que deu à prata uma figa
A do braço, pois ferido
Ficou mais enriquecido
Vendo sua prata com liga.Entre um desmaio se enleia
Aquele sol animado,
A viu-se o sol desmaiado
Por ser picado na veia.
Desmaia a luz da candeia
Escurecendo o arrebol.
Da luz esconde o farol.
Mas que muito que a luz caia,
Se a luz também se desmaia
Quando se desmaia o sol!