Sonho Branco
De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!…
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas puríssimas nascido.Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido…As aves sonorizam-te o caminho…
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dão-te um ar nevado…No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!
Passagens de Cruz e Souza
306 resultadosQuando Eu Partir
Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!
Aleluia! Aleluia!
Dentre um cortejo de harpas e alaúdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te à terra, ao mundanal convívio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alívio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataúdes…Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarão flamívomo das vestes,
Através dos troféus da EternidadeTraz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angústias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!
Livre!
Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
Símiles
(Desterro)
Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.Tudo que a Bíblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de Jericó, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e… perdoou.
Supremo Verbo
– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vão se multiplicando,
A portas de ouro que vão se abrindo!
Primeira Comunhão
Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
Véus e grinaldas purificadores,
Vão as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prônubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhão das níveas hóstias frias…Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volúpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…
Êxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carícia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delírio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Ilusões Mortas
A Virgílio Várzea
Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudosoNo fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.
Canção De Abril
Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
Ora bem, ora bem! — Vamos embora
Por estes campos e rosais afora
De onde a tribo das aves nos espreita.Deixa que eu faça a matinal colheita
Dos teus sonhos azuis em cada aurora,
Agora que este abril nos canta, agora,
A florida canção que nos deleita.Solta essa fulva cabeleira de ouro
E vem, subjuga com teu busto louro
O sol que os mundos vai radiando e abrindo.E verás, ao raiar dessa beleza,
Nesse esplendor da virgem natureza,
Astros e flores palpitando e rindo.
Imortal Atitude
Abre os olhos à Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.Crer é sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lúcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sátiro da Carne impenitente.Abandonar os lânguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno Silêncio dos Espaços
E no Silêncio emudecer olhando…
Vão-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos
Vão-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nítidas faíscas
E no esplendor de irradiações mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.A natureza pulsa como a forja…
Pássaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.A grande artéria dos assombros pula…
E do oxigênio, a força que regula
Enche os pulmões a largas baforadas.
Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos
Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidério…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…Brisas suaves, virações amenas,
Lírios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse Prodígio singular e mago!!…
À Revolta
A Cassiano César
O século é de revolta — do alto transformismo,
De Darwin, de Littré, de Spencer, de Laffite —
Quem fala, quem dá leis é o rubro niilismo
Que traz como divisa a bala-dinamite!…Se é força, se é preciso erguer-se um evangelho,
Mais reto, que instrua — estético — mais novo
Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho
E lance-se outro sangue aos músculos do povo!…O vício azinhavrado e os cérebros raquíticos,
É pô-los ao olhar dos sérios analíticos,
Na ampla, social e esplêndida vitrine!…À frente!… — Trabalhar a luz da idéia nova!…
— Pois bem! Seja a idéia, quem lance o vício à cova,
— Pois bem! — Seja a idéia, quem gere e quem fulmine!…
Ausência Misteriosa
Uma hora só que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um só minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto…
Na tua ausência, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta…Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
Vêm para mim, lentas, se aproximando.E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que não é da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando…
Presa Do Ódio
Da tu’alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu’alma abalou de lado a lado.Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!
Sem Esperança
Ó cândidos fantasmas da Esperança,
Meigos espectros do meu vão Destino,
Volvei a mim nas leves ondas do Hino
Sacramental de Bem-aventurança.Nas veredas da vida a alma não cansa
De vos buscar pelo Vergel divino
Do céu sempre estrelado e diamantino
Onde toda a alma no Perdão descansa.Na volúpia da dor que me transporta,
Que este meu ser transfunde nos Espaços,
Sinto-te longe, ó Esperança morta.E em vão alongo os vacilantes passos
À procura febril da tua porta,
Da ventura celeste dos teus braços.
Doce Abismo
Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepúsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.
Deixai Que Deste Álbum Na Folha Delicada
Deixai que deste álbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!…Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!…
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!Porém qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!…Rasguemos do porvir os áditos, os véus!…
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!…
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!
Aspiração Suprema
Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frágil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.Tem ais de dor de trêmulo mendigo
Oscilante, sonâmbulo, erradio.
É como um tênue, cristalino fio
D’estrelas, como etéreo e louro trigo.E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o céu, o límpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.