Cristais
Mais claro e fino do que as finas pratas
O som da tua voz deliciava…
Na dolĂȘncia velada das sonatas
Como um perfume a tudo perfumava.Era um som feito luz, eram volatas
Em lĂąnguida espiral que iluminava,
Brancas sonoridades de cascatas…
Tanta harmonia melancolizava.Filtros sutis de melodias, de ondas
De cantos volutuosos como rondas
De silfos leves, sensuais, lascivos…Como que anseios invisĂveis, mudos,
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.
Sonetos sobre Vozes de Cruz e Souza
18 resultadosSupremo Desejo
Eternas, imortais origens vivas
Da Luz, do Aroma, segredantes vozes
Do mar e luares de contemplativas,
Vagas visĂ”es volĂșpicas, velozes…Aladas alegrias sugestivas
De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fulgidas, altivas,
De condores e de ĂĄguias e albatrozes…Espiritualizai nos Astros louros,
Do sol entre os clarÔes imorredouros
Toda esta dor que na minh’alma clama…Quero vĂȘ-la subir, ficar cantando
Na chama das Estrelas, dardejando
Nas luminosas sensaçÔes da chama.
EspĂrito Imortal
EspĂrito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em glĂĄdios os sarcasmos
Para punir as multidÔes profundas!à alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoçÔes, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tĂ©dios por charnecas fundas.Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.Tens minha MĂŁo, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
EspĂrito imortal do Sentimento!
Luz Da Natureza
Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leÔes de brava crença,
Defende com so teus glĂĄdios sacrossantos.DĂĄ-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!
Vozinha
Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que nĂŁo cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que nĂŁo vergue, nĂŁo fira e que nĂŁo doa.Olhos e voz de castidades vivas,
PĂŁo ĂĄzimo das PĂĄscoas afetivas,
Simples, tranqĂŒila, dadivosa, franca.Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.
ManhĂŁ
Alta alvorada. — Os Ășltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarÔes primeiros.Da passarada os vÎos condoreiros,
Os cantos e o ar que as ĂĄrvores ramalha
Lembram combate, estrĂdula batalha
De elementos contrårios e altaneiros.Vozes, trinados, vibraçÔes, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisĂvel taça.E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol pÔe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.
Imortal Falerno
Quando as Esferas da IlusĂŁo transponho
Vejo sempre tu’alma – essa galera
Feita das rosas brancas da Quimera,
Sempre a vagar no estranho mar do Sonho.Nem aspecto nublado nem tristonho!
Sempre uma doce e constelada Esfera,
Sempre uma voz clamando: – espera, espera,
Lå do fundo de um céu sempre risonho.Sempre uma voz dos Ermos, das Distùncias!
Sempre as longĂnquas, mĂĄgicas fragrĂąncias
De uma voz imortal, divina,pura…E tua boca, Sonhador eterno,
Sempre sequiosa desse azul falerno
Da Esperança do céu que te procura!
Madona Da Tristeza
Quando te escuto e te olho reverente
E sinto a tua graça triste e bela
De ave medrosa, tĂmida, singela,
Fico a cismar enternecidamente.Tua voz, teu olhar, teu ar dolente
Toda a delicadeza ideal revela
E de sonhos e lĂĄgrimas estrela
O meu ser comovido e penitente.Com que mĂĄgoa te adoro e te contemplo,
Ă da Piedade soberano exemplo,
Flor divina e secreta da Beleza.Os meus soluços enchem os espaços
Quando te aperto nos estreitos braços,
solitĂĄria madona da Tristeza!
Lembranças Apagadas
Outros, mais do que o meu, finos olfatos,
Sintam aquele aroma estranho e belo
Que tu, Ăł LĂrio lĂąnguido, singelo,
Guardaste nos teus Ăntimos recatos.Que outros se lembrem dos sutis e exatos
Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos…Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
Linhas, perfil e tanta dor saudosa,Tanto martĂrio, tanta mĂĄgoa e pena,
Precisaria de uma luz serene,
De uma luz imortal maravilhosa!…
Ninho Abandonado
Ă distinta famĂlia Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. JoĂŁo da Silva Simas.O vosso lar harmĂŽnico e tranqĂŒilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos coraçÔes tinham asilo.Havia lå por dentro tanta crença
E tanto amor purĂssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.Agora o ninho estĂĄ desamparado!
Sumiu-se dele o pĂĄssaro adorado,
O mais ideal dos pĂĄssaros do ninho.NĂŁo se ouve mais a mĂșsica sonora
Da sua voz — dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.
Velhas Tristezas
DiluĂȘncias de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.MurmĂșrios incĂłgnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiĂ”es — voz impoluta
De sodas as titùnicas grandezas.Passai, lembrando as sensaçÔes antigas,
PaixÔes que foram jå dóceis amigas,
Na luz de eternos sĂłis glorificadas.Alegrias de hĂĄ tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vĂŁo embora
No poente da Saudade amortalhadas!…
Voz Fugitiva
Ăs vezes na tu’alma que adormece
Tanto e tĂŁo fundo, alguma voz escuto
De timbre emocional, claro, impoluto
Que uma voz bem amiga me parece.E fico mudo a ouvi-la como a prece
De um meigo coração que estå de luto
E livre, jĂĄ, de todo o mal corruto,
Mesmo as afrontas mais cruéis esquece.Mas outras vezes, sempre em vão, procuro
Dessa voz singular o timbre puro,
As essĂȘncias do cĂ©u maravilhosas.Procuro ansioso, inquieto, alvoroçado,
Mas tudo na tu’alma estĂĄ calado,
No silĂȘncio fatal das nebulosas.
Gloriosa
A AraĂșjo Figueredo
Pomba! dos céus me dizes que vieste,
Toda c’roada de astros e de rosas,
Mas hå regiÔes mais que essas luminosas.
NĂŁo, tu nĂŁo vens da regiĂŁo celesteHĂĄ um outro esplendor em tua veste,
Uma outra luz nas tranças primorosas,
Outra harmonia em teu olhar — maviosas
Cousas em ti que tu nunca tiveste.Não, tu não vens das célicas planuras,
Do Ăden que ri e canta nas alturas
Como essa voz que dos teus lĂĄbios tomba.Vens de mais longe, vens doutras paragens,
Vens doutros cĂ©us de mĂsticas celagens,
Sim, vens de sĂłis e das auroras, pomba.
Imaginai Um Misto De Alvoradas
Imaginai um misto de alvoradas
Assim com uns vagos longes de falena,
Ou mesmo uns quĂȘs suaves de açucena
C’os magos prantos bons das madrugadas!…Imaginai mil cousas encantadas…
O tĂmido dulçor da tarde amena,
As esquisitas graças de uma Helena,
As vaporosas noites estreladas…Que encontrareis entĂŁo em Julieta
O tipo sĂŁo, fiel da Georgeta
Nos dois brilhantes, primorosos atos!…E sentireis um fluido magnĂ©tico
TrĂȘmulo, nervoso, mĂłrbido, patĂ©tico,
Bem como a voz dos langues psicattos!…
Pacto Das Almas (I) Para Sempre!
Ah! para sempre! para sempre! Agora
NĂŁo nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.Para sempre estĂĄ feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no ClarĂŁo bendito,
HĂŁo de enfim saciar toda esta sede…
De Alma Em Alma
Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuĂĄrio em santuĂĄrio.
Ăs o secreto e mĂstico templĂĄrio
As almas, em silĂȘncio, contemplando.NĂŁo sei que de harpas hĂĄ em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivĂĄrio
Que lembras reverĂȘncias de sacrĂĄrio
E de vozes celestes murmurando.Mas sei que de alma em alma andas perdido
AtrĂĄs de um belo mundo indefinido
De silĂȘncio, de Amor, de Maravilha.Vai! Sonhador das nobres reverĂȘncias!
A alma da FĂ© tem dessas florescĂȘncias,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!
Judia
Ah! Judia! Judia impenitente!
De erma e de turva regiĂŁo sombria
De areia fulva, bĂĄrbara, inclemente,
Numa desolação, chegaste um dia…TravĂ©s o cĂ©u mais tĂłrrido, mais quente,
Onde a luz mais flamĂvoma radia,
A voz dos teus, nostĂĄlgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis sidérios,
Ăbria dos vĂcios cĂ©lebres que salvam…Para alguns coraçÔes que ainda te buscam
Ăs como os sĂłis que rĂștilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!
InefĂĄvel!
Nada hå que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂȘncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!