Sonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.
Sonetos sobre Primavera de Cruz e Souza
7 resultadosVisĂŁo Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rĂgidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
Primavera A Fora
Escute, excelentĂssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂmpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂşsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…
Campesinas IV
Através das romãzeiras
E dos pomares floridos
Ouvem-se as vezes ruĂdos
E bater d’asas ligeiras.SĂŁo as aves forasteiras
Que dos seus ninhos queridos
VĂŞm dar ali os gemidos
Das ilusões passageiras.Vêm sonhar leves quimeras,
IdĂlios de primaveras,
Contar os risos e os males.VĂŞm chorar um seio de ave
Perdida pela suave
CarĂcia verde dos vales.
As Estrelas
Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!
Surdinas
Ă€s raparigas tristes
Vais partir, vais partir que eu bem te vejo
Na branca face os gélidos suores,
Vais procurar as musicas melhores
Do sol, da glĂłria e do celeste beijo.Dentro de ti harpas do desejo
NĂŁo vibram mais — embora que tu chores —
Nem pelas tuas aflições maiores
Se escuta um vago e enfraquecido arpejo…Bem! vais partir, vais demandar esferas
Amplas de luz, feitas de primaveras,
Paisagens novas e amplidĂŁo florida…Mas ao chegar-te a lágrima infinita,
Lembra-te ainda, ó pálida bonita
De que houve alguém que te adorou na vida.
Eternidade Retrospectiva
Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e sĂł, por olĂmpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trĂŞmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.As estrelas, longĂnquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarĂŁo muito leve de saudade.Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!