Passagens de Fernando Pessoa

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Entre o Luar e a Folhagem

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Tênue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.

Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.

A arte é, para mim, a expressão de um pensamento através de uma emoção, ou, em outras palavras, de uma verdade geral através de uma mentira particular.

Por vezes surpreendo-me com um medo espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, ao dar-me conta de quão pouco o que há em mim me pertence (ou é eu próprio).

O Tipo de Homem que Eu Sou

Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.

Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.

Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;

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O Escrúpulo é a Morte da Acção

O escrúpulo é a morte da acção. Pensar na sensibilidade alheia é estar certo de não agir. Não há acção, por pequena que seja – e quanto mais importante, mais isso é certo – que não fira outra alma, que não magoe alguém que não contenha elementos de que, se tivermos coração, nos não tenhamos que arrepender. Muitas vezes tenho pensado que a filosofia real do eremita estará antes no esquivar-se a ser hostil, pelo simples facto de viver, do que em qualquer pensamento directamente relacionado com o isolar-se.

A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objectivada de uma impressão subjectiva. Difere, assim, da ciência que é uma interpretação subjectivada de uma impressão objectiva, e da filosofia, que é, ou procura ser, uma interpretação objectivada de uma impressão objectiva.

Quanto mais universal o génio, tanto mais facilmente será aceite pela época imediatamente seguinte porque mais profunda será a sua crítica implícita da sua própria época.

Não queiras reformar nada, porque, como não sabemos a que leis as coisas obedecem, não sabemos se as leis naturais estão de acordo, ou com a justiça, ou, pelo menos, com a nossa ideia de justiça.

Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.

Sonhei, Confuso, E O Sono Foi Disperso

Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são

Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.

Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.

Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.

O mais horrível de tudo é a minha incapacidade de formular, nem que seja dentro de mim, um qualquer sistema de vida ou filosofia. Chego a pensar que o meu corpo está habitado pela alma de algum poeta morto…

O meu ideal seria viver tudo em romance, repousando na vida – ler as minhas emoções, viver o meu desprezo delas.

A coerência, a convicção, a certeza são demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.