Passagens de Gabriel García Márquez

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Rebeca se levantou à meia-noite e comeu punhados de terra no jardim, com avidez suicida, chorando de dor e fúria, mastigando minhocas macias e espedaçando os dentes nas cascas de caracóis.

Por último, fizeram as facas cantar na pedra, e Pablo pôs a sua junto a uma lâmpada para que o aço brilhasse. ― Vamos matar Santiago Nasar ― disse.

Não sentiu medo nem saudade, mas uma raiva intestinal diante da ideia de que aquela morte artificiosa não lhe permitiria saber do final de tantas coisas que deixava sem terminar.

Já então o pároco manifestava os primeiros sintomas do delírio senil que o levou a dizer, anos mais tarde, que provavelmente o diabo tinha ganho a rebelião contra Deus e que era aquele quem estava sentado no trono celeste sem revelar a sua verdadeira identidade para enganar os incautos.

A Desordem da Minha Natureza

(…) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio. Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.

Controlar a Timidez

Nunca consegui controlar a timidez. Quando tive que enfrentar em carne viva a incumbência que nos deixou o pai errante, aprendi que a timidez é um fantasma invencível. De cada vez que tinha que solicitar um crédito, mesmo dos combinados de antemão em lojas de amigos, demorava horas em redor da casa, reprimindo a vontade de chorar e as contracções da barriga, até que me atrevia por fim, com as mandíbulas tão apertadas que não me saía a voz. Havia sempre algum comerciante sem coração para me atrapalhar ainda mais: «Miúdo parvo, não se pode falar com a boca fechada.» Mais de uma vez regressei a casa com as mãos vazias e uma desculpa inventada por mim. Mas nunca mais tornei a ser tão desgraçado como da primeira vez que quis falar pelo telefone na loja da esquina. O dono ajudou-me com a operadora, pois ainda não existia o serviço automático. Senti o sopro da morte quando me deu o auscultador. Esperava uma voz serviçal e o que ouvi foi o latido de alguém que falava no escuro ao mesmo tempo que eu. Pensei que o meu interlocutor também não me ouvia e levantei a voz tanto quanto pude. O outro,

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Teria podido se guiar pelo cheiro se o cheiro não andasse em toda a casa, tão enganoso e ao mesmo tempo tão definido como tinha estado sempre na sua pele.

O problema do casamento é que se acaba todas as noites depois de se fazer o amor, e é preciso tornar a reconstruí-lo todas as manhãs antes do café.