O Ingrato e o seu Oposto
O ingrato tortura-se e aflige-se a si mesmo; odeia os benefĂcios que recebe por ter de retribuĂ-los, procura reduzir a sua importância e, pelo contrário, agigantar enormemente as ofensas que lhe foram causadas. Há alguĂ©m mais miserável do que um homem que se esquece dos benefĂcios para sĂł se lembrar das ofensas? A sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefĂcios, fixa-se na sua consideração, compraz-se em recordá-los continuamente. Os maus sĂł tĂŞm um momento de prazer, e mesmo esse breve: o instante em que recebem o benefĂcio; o sábio, pelo seu lado, extrai do benefĂcio recebido uma satisfação grande e perene. O que lhe dá prazer nĂŁo Ă© o momento de receber, mas sim o facto de ter recebido o benefĂcio; isto Ă© para ele algo de imortal, de permanente. O sábio nĂŁo tem senĂŁo desprezo por aquilo que o lesou; tudo isso ele esquece, nĂŁo por incĂşria, mas voluntariamente. NĂŁo interpreta tudo pelo pior, nĂŁo procura descobrir o culpado do que lhe sucedeu, preferindo atribuir os erros dos homens Ă fortuna.
Não atribui más intenções às palavras ou aos olhares dos outros, antes procura dar do que lhe fazem uma interpretação benevolente. Prefere lembrar-se do bem que lhe fizeram,
Passagens sobre Ingratos
104 resultadosToda a gente encontra cem ingratos; dificilmente encontra um benfeitor.
Desaires Da Formosura.
Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.Este o rostinho Ă© de Caterina;
E porque docemente obriga e mata,
NĂŁo livra o ser divina em ser ingrata
E raio a raio os corações fulmina.Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias
A quem já tanto amor levantou aras:Disse igualmente amante e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias
Se sendo tĂŁo formosa nĂŁo cagaras!
Cantiga do Rosto Branco
Rico era o rosto branco; armas trazia,
E o licor que devora e as finas telas;
Na gentil Tibeima os olhos pousa,
E amou a flor das belas.“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;
“Quando, junto de ti, teus olhos miro,
A vista se me turva, as forças perco,
E quase, e quase expiro.”E responde a morena requebrando
Um olhar doce, de cobiça cheio:
“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;
Aperta-me em teu seio!”Uma cabana levantaram ambos,
O rosto branco e a amada flor das belas…
Mas as riquezas foram-se co’o tempo,
E as ilusões com elas.Quando ele empobreceu, a amada moça
Noutros lábios pousou seus lábios frios,
E foi ouvir de coração estranho
Alheios desvarios.Desta infidelidade o rosto branco
Triste nova colheu; mas ele amava,
Inda infiéis, aqueles lábios doces,
E tudo perdoava.Perdoava-lhe tudo, e inda corria
A mendigar o grĂŁo de porta em porta,
Com que a moça nutrisse, em cujo peito
Jazia a afeição morta.E para si,