Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já que pode ser um instrumento.
Passagens de Jorge Luis Borges
126 resultadosNunca releio o que escrevo. Prefiro viver em função do futuro.
Dá o santo aos cães, atira tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
Os Clássicos da Literatura
As emoções que a literatura suscita são talvez eternas, mas os meios devem variar constantemente, mesmo que lligeiramente, para não perder a sua virtude. Desgastam-se à medida que o leitor os reconhece. Daí o perigo de afirmar que existem obras clássicas que o serão para sempre.
Cada qual descrê da sua arte e dos seus artifícios. Eu, que me resignei a pôr em dúvida a indefinida duração de Voltaire ou de Shakespeare, acredito (nesta tarde de um dos últimos dias de 1965) na de Schopenhauer e na de Berkeley.
Clássico não é um livro (repito-o) que possui necessariamente tais ou tais méritos. É um livro que as gerações dos homens, motivadas por razões diversas, lêem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade.
De todos os instrumentos do homem, o mais surpreendente é, sem dúvida nenhuma, o livro.
Desde aquele dia não movi as peças no tabuleiro.
O Remorso
Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. CumpridaNão foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
O Apaixonado
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Aqui também essa desconhecida e ansiosa e breve coisa que é a vida
Não acumules ouro na Terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
Nós mudamos incessantemente. Mas se pode afirmar também que cada releitura de um livro e cada lembrança dessa releitura renovam o texto.
O dever de todas as coisas é ser uma felicidade.
Sou
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
Todos os caminham levam à morte. Perca-se.
A velhice pode ser o nosso tempo de ventura. O animal está morto, ou quase morto. Restam o homem e a alma.
Todas as coisas do mundo conduzem a um encontro ou a um livro.
A arte opta sempre pelo individual, o concreto; a arte não é platónica.
Somente os tolos nunca mudam suas mentes.
O casamento é um destino pobre para uma mulher.
No passado cometi o maior pecado que um homem pode cometer: não fui feliz.