Poemas sobre Cara

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Poemas de cara escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Noite Fechada

L.

Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carĂ­cias leitosas do luar?

Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nĂłs percorremos de mĂŁos dadas:
Ă€s janelas palravam as vizinhas;
Tinham lĂ­vidas luzes as fachadas.

Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!

NĂłs saĂ­ramos prĂłximo ao sol-posto,
Mas seguĂ­amos cheios de demoras;
NĂŁo me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.

Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.

Como uma mitra a cĂşpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.

A Lua dava trĂŞmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!

E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,

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Ver-te. Tocar-te

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vĂ­vidoo mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resĂ­duos. Me vĂŞm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.

Fizeram os dias assim

Por mais que larguem os braços
Por mais que soltem amarras
E que se tapem as covas

Por mais que rasguem os quadros
Por mais que queimem as leis
E que os costumes esmoreçam

Por mais que arrasem as feras
E que os papões arrefeçam
E que as bruxas se convertam

Por mais que riam as caras
E que ternura se esqueça
Por mais que o amor prevaleça
VocĂŞs
Fizeram os dias assim!

NĂŁo nos venham pedir contas
NĂŁo venham pĂ´r-nos regras
Sabemos que os nossos dias
NĂŁo vĂŁo ser gastos assim!

No Sorriso Louco das MĂŁes

No sorriso louco das mĂŁes batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mĂŁes
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e ĂłrgĂŁos mergulhados,
e as calmas mĂŁes intrĂ­nsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estĂŁo ali num silĂŞncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor Ă© cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mĂŁes sĂŁo cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. SĂŁo
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contĂ­nuo
escorrer dos filhos.
As mĂŁes sĂŁo as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustĂŁo dos filhos, porque
os filhos estĂŁo como invasores dentes-de-leĂŁo
no terreno das mĂŁes.

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Andamento

De que estarei me despedindo hoje?
Há em mim uma clara ressonância de
despedida.
Mas nĂŁo devo saber,
nem Ă© preciso saber.
Creio que vim
pra dizer um dia
na cara do mundo:
hoje estou me despedindo.
E as criaturas boas do meu sangue
abririam a boca
que lhes cortasse o Ă­mpeto inexpresso.
Claro que estou me despedindo.
Hoje sou mais criança do que nunca.

Quadras da Minha Vida

Os ecos nos meus sentidos
Dos meus afectos doentes
SĂŁo mais longos, mais compridos
Do que rastos de serpentes.

Nasci profundo e pegado
A turbilhões de aflição:
Na cara trago estampado
O meu perfil de obsessĂŁo.

NĂŁo creio que possa amar
Nem neste mundo ter jeito
De me encostar a outro leito
Sem desatar a chorar.

Enterro os dias e os ais,
Sou uma pilheira de mortos,
Não tenho espaço pra mais!
Que se comam uns aos outros…

para uma canção de embalar

embalo a minha filha joana que acordou num berreiro.
a casa está às escuras, vou passando com cuidado
para não dar encontrões nos móveis, embalo esta menina
que se calou mas está de olho muito aberto e quer brincar,
e há um halo de luz parda a coar-se pelas persianas
e Ă s vezes uns farĂłis riscando estrias a correrem pelo tecto.

levo-a bem presa ao colo, toda de porcelana pesadinha,
enquanto a irmã está a dormir meio atravessada nos lençóis.
ao chegar-me a outra janela vejo as luzes fugindo na auto-estrada
em direcção ao rio, a uma placa da lua sobre o rio,
e trauteio «já gostava de te ve-er», enquanto acendo o fogão
para aquecer o leite e embalo a minha filha e a outra está a dormir.

oxalá cresçam ambas airosas e bem seguras,
e possam ir na vida serenamente como os rios correm,
ou como os veleiros voam, ou como elas agora respiram
em cadências regulares neste silêncio táctil.
a meio da noite um homem acordou no sossego da casa
e pĂ´s-se a cuidar do sono das suas filhas pequenas.

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A Vida Ă© LĂ­quida

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mĂłrula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da lĂ­ngua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha pĂşmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, gĂłticas, altas de corpo e copos.
A vida Ă© crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é liquída.

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos Ă  mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraĂ­so. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.

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O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lĂşbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marĂ­timo
e o pĂŁo for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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