Mania da SolidĂŁo
Como um jantar frugal junto Ă clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saĂsse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas sĂŁo vivas,
mas nĂŁo valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruĂdos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silĂŞncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sĂtio, como o meu corpo imĂłvel.Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassĂvel: um cicio de silĂŞncio.
Cada coisa na escuridĂŁo posso sabĂŞ-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
Poemas sobre Corpo de Cesare Pavese
2 resultadosMito
Virá o dia em que o jovem deus será um homem,
sem sofrimento, com o morto sorriso do homem
que compreendeu. TambĂ©m o sol se move longĂnquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. NĂŁo se morre de VerĂŁo.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva.