A Minha Hora
Que horas são? O meu relógio está parado,
Há quanto tempo!…
Que pena o meu relógio estar parado
E eu não poder marcar esta hora extraordinária!
Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento,
Hora som de violino a expirar… Hora vária,
Hora sombra alongada de convento…Hora feita de nostalgia
Dos degredados…
Hora dos abandonados
E dos que o tédio abate sem cessar…
Hora dos que nunca tiveram alegria,
Hora dos que cismam noite e dia,
Hora dos que morrem sem amar…Hora em que os doentes de corpo e alma,
Pedem ao Senhor para os sarar…
Hora de febre e de calma,
Hora em que morre o sol e nasce o luar…
Hora em que os pinheiros pela encosta acima,
São monges a rezar…Hora irmã da caridade
Que dá remédio aos que o não têm…
Hora saudade…
Hora dos Pedro Sem…
Hora dos que choram por não ter vivido,
Hora dos que vivem a chorar alguém…Hora dos que têm um sonho águia mas… ai!
Águia sem asas para voar…
Poemas Exclamativos de Saúl Dias
10 resultadosNua
I
Nua
como Eva.
A cabeleira
beija-lhe o rosto oval e flutua;
o corpo
é água de torrente…Eva adolescente,
com reflexos de lua
e tons de aurora…!Roseira que enflora…!
Desflorada por tanta gente…
II
Teu corpo,
mal o toquei…Só te abracei
de leve…Foi todo neve
o sonho que alonguei…Asas em voo,
quem, um dia, as teve?Os sonhos que eu sonhei!
III
Jeito de ave
e criança,
suave
como a dança
do ramo de árvore
que o vento beija e balança!Nave
de sonho
no temporal medonho
silvando agoiro!Quem destrançou os teus cabelos de oiro?
IV
Corpo fino,
delicado,
sereno, sem desejos…Tão macio,
tão modelado…Beijos… Beijos… Beijos…
V
No meu sono
ela flutua
a cada passo…Nua,
riscando o espaço
numa névoa de outono…
Amo-te Tanto
Amo-te tanto
nem sei porquê!
Que importa o quê
do meu espanto?Que importa o riso
que me concedes?
Que me embebedes!
Que paraíso!Indiferente
quero-te assim.
– Sê bem de mim,
de toda a gente…Rasgou-se o véu
do temporal.
Nem bem nem mal.
Entras no céu.
Amei-te
Amei-te
porque o teu olhar numa tarde se encheu de lágrimas,
e falaste em morrer, e tremeste de medo.Contudo
não eras mais que uma flor corruta,
dessas que a vida enleia e usa
e depois atira para uma sarjeta lamacenta.Mas, para mim, eras toda inocência, toda pureza branca.
Porque a inocência é um dom de Deus,
o dom só concedido
àqueles que mais ama.
Por isso, os homens só aparentemente sujam
as pequeninas rosas.Ah! tivesse eu forças para seguir-te,
embora de longe, mas atentamente,
ajudando-te a subir o agreste calvário!
Para Todo o Sempre
O Poeta morre,
mas não cessa de escrever.Enquanto escreve,
vive
ressuscitando fugidias horas
mudadas em auroras…Uma pequenina flor,
pisada por quem passa,
é agora
um milagre de cor,
uma negaça
de mil desejos…E os beijos
que nunca foram dados,
tornados tão reais…Aquela borboleta
arrasta
infindas primaveras
no seu voo fremente…– Uma palavra mais,
Poeta!
Uma palavra quente!
Uma palavra para todo o sempre!
Música
A doce, iriada melodia,
roxa sombra na tarde escarlate,
chorosa, ouço-a; bate
e verte quentura na minha alma fria.Quantos anos galgaram lépidos,
furtivos, maldosos, sobre a minha cabeça!
E não há tempo que, húmido, arrefeça
a toada suave de tons tépidos…Remédio para as minhas feridas,
para os nervos pacífico brometo,
quando eu seguir no caixão preto,
entre velas e ladainhas,meus ouvidos tapados a algodão
hão-de ouvi-la, tal como nessa tarde,
tão discreta, suave e sem alarde,
sobrepondo-se ao cantochão…
O Silêncio
Peço apenas o teu silêncio,
como uma criança pede uma flor
ou um velho pedinte um bocado de pão.
Um silêncio
onde a tua alma se embrulha, friorenta,
trémula, à aproximação das invernias.
Um silêncio com ressonâncias de antigas primaveras,
de outonos descoloridos
e da chuva a cair no negrume da noite.– Vá, motorista de táxi,
transporta-me
através das ruas da cidade inextricável,
vertiginosamente,
buzinando, buzinando,
abafando o ruído de um outro silêncio!
Envelhecer
É bom envelhecer!
Sentir cair o tempo,
magro fio de areia,
numa ampulheta inexistente!Passam casais jovens
abraçados!…As árvores
balançam novos ramos!…E o fio de areia
a cair, a cair, a cair…
Poeta
– Poeta errante,
de olhar vago e distante
e azul,
o teu perfil singular
recorta-se angular
ao norte e ao sul.– Os teus fatos coçados
bate-os o vento
e leva-os aos bocados…E os sapatos gastos
pedem grandes repastos,
abrem bocas, esfomeados.(Nos bolsos, imagino
asas de borboletas,
molhos de folhas secas,
poeiras e papéis…)– Poeta errante,
caem por terra os livros e a estante,
e as torres esguias das igrejas,
e as paredes velhas dos bordéis!…– Poeta errante,
vamos dormir na sombra dos vergéis!…
Nunca Envelhecerás
A tua cabeleira
é já grisalha ou mesmo branca?
Para mim é toda loira
e circundada de estrelas.
Sobre ela
o tempo não poisou
o inverno dos anos
que se escoam maldosos
insinuando rugas, fios brancos…Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos…Pétalas esguias
emolduram-te os dedos…
E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.Nunca envelhecerás na minha lembrança!…