O êxito de um bom dito depende mais do ouvido que o escuta do que da boca que o diz.
Passagens sobre Bocas
621 resultadosNoite de Sonhos Voada
Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!…
Homem, um Corpo Choro!
Aqui, dizeis, na cova a que me abeiro,
Não ‘stá quem eu amei. Olhar nem riso
Se escondem nesta leira.
Ah, mas olhos e boca aqui se escondem!
Mãos apertei, não alma, e aqui jazem.
Homem, um corpo choro!
Em brigas de amor, o perdão é um selo apaziguador quando expressa, pela boca, o arrependimento que vem do coração!
Se A é o sucesso, então A é igual a X mais Y mais Z. O trabalho é X; Y é o lazer; e Z é manter a boca fechada.
Abre a tua boca e dá voz ao teu coração, ele saberá conduzir-te no texto para que não magoes ninguém e muito menos a ti. Fala.
O Teu Aniversário
Pediste-me sorrindo, ó minha flor gentil,
Uns versos às tuas vinte alvoradas de Abril.
Vinte anos já!… não creio, estás equivocada…
Enganas-te. Eu irei perguntar à alvorada
Quantas vezes pousou em êxtase, ao de leve,
A sua boca de rosa em tua fronte de neve.
Vinte anos! Podes crer, pomba que eu idolatro,
Que se o corpo fez vinte, a alma, não: fez quatro.
A tua alma nasceu inefável, divina,
Para ser sempre grande e sempre pequenina.
É como a estrela d’alva; enche o seu esplendor
O Mundo, e ela não enche o cálix duma flor!…
Há bocas sorridentes que gritam para dentro da alma o uivo dos chacais nos matagais desertos.
Vigília
No panorama de frio
jazia cristalizado o voo dos gaviões.Ao seu encontro ia fremente
o respirar da terra quente quase adormecida.Fluía um riso irónico das dentaduras alvas da neblina
para bocas de ouvidos,
olhos de bocas.Surgiu então coberto de silêncio
o homem que desde sempre morrera trucidado.O seu sangue caía enquanto andava.
Das gotas pelo chão se levantaram logo as árvores de fogo
dentro em pouco a floresta incendiária
de todo o frio que o chamava.E antes que soprasse a ventania
a borboleta colorida foi queimada.Mas antes que o sol humidamente
repousasse num clarão de olhos fechados,
as cinzas de pirâmides se espalhavam
indo ferir o enorme olho esbugalhado
que de aquém fitava um espaço maior!
Amor
A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.
Os olhos comem primeiro que a boca.
Os teus dentes pequeninos
Na tua boca mimosa,
São pedacitos de neve
Dentro dum cálix de rosa.
Myriel teve que resignar-se à sorte de todas as pessoas que chegam a uma cidade pequena, onde é maior o número de bocas que falam do que cabeças que pensam.
Alguém caminha a meu lado sem rumor, como se tivesse os pés nus… A névoa entra pela boca, ocupa os pulmões. Perto de Canalazzo flutua e se acumula. O desconhecido torna-se cinza, mais leve; se faz sombra… Sob a casa onde fica o antiquário, desaparece de improviso.
Boca calada diz tudo.
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,
Coma seus ovos e cale a boca
Se houvesse degraus na terra…
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
O homem morre quando Deus faz uma dobra na ponta do livro. A morte é beijo da boca sepultura: procura proceder bem, corta um farrapo de uma boa acção durante a rugidora noite, e este será o teu sudário no seio da terra. A morte é a exaltação da verdade.
Sol Poente
Tardinha… “Ave-Maria, Mãe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarões d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!Horas que têm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando…