Se a Vida Fosse Sempre Vida
Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na úmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto
As ondas estoirando.Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,Não sabe que os seus passos vão cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glória
De uma beleza eterna.
Poemas sobre Glória de Ricardo Reis
4 resultadosTirem-me os Deuses o Amor, Glória e Riqueza
Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objetos
Tem abrigo seguro.Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo,
Sua riqueza a vida.A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objetos.O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.
Os Grandes Indiferentes
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Prefiro Rosas, meu Amor, à Pátria
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.