Poemas sobre Impulsos

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Poemas de impulsos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

É Inútil Querer Parar o Homem

É inútil querer parar o Homem,
o que transforma a pedra em piso,
o piso em casa e a casa em fonte
de novas músicas da carne
sob as velocidades da luz e da sombra.
É inútil querer parar o Homem
acolher sempre um pouco de si próprio
no mistério da vida a cavalgar
os cavalos aéreos da semântica
sob uma indeferida eternidade.
É inútil querer parar o Homem
e o impulso que o transforma sempre
na pátria sem fim do ato livre
que arranca a vida e o tempo e as coisas
do espelho imóvel dos conceitos.
Ah, que mistério maior é este
que liga a liberdade e o homem
e une o homem a outros homens
como o curso de um rio ao mar!
(quando a noite é una e indivisível,
nos olhos da mulher que eu amo
acende-se o deus deste segredo
-e uma sombra só nos transporta
ao fundo sem nome da vida.)

É inútil querer parar o Homem.
Do que morre fica o gesto alto
a ser o germe de outro gesto
que ainda nem vemos no tempo.

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Tenho Mais Almas que Uma

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu ‘screvo.

O Cavaleiro

Talvez o espere ainda a Incomeçada
aquela que louvámos uma noite
quando o abril rompeu em nossas veias.
Talvez o espere a avó o pai amigos
e a mãe que disfarça às vezes uma lágrima.
Talvez o próprio povo o espere ainda
quando subitamente fica melancólico
propenso a acreditar em coisas misteriosas.

Algures dentro de nós ele cavalga
algures dentro de nós
entre mortos e mortos.
É talvez um impulso quando chega maio
ou as primeiras aves partem em setembro.

Cargas e cargas de cavalaria.
E cercos. Conquistas. Naufrágios naufrágios.
Quem sabe porquê. Quem sabe porquê.
Entre mortos e mortos
algures dentro de nós.

Quem pode retê-lo?
Quem sabe a causa que sem cessar peleja?
E cavalga cavalga.

Sei apenas que às vezes estremecemos:
é quando irrompe de repente à flor do ser
e nos deixa nas mãos
uma espada e uma rosa.

O Que Amamos Está Sempre Longe de Nós

O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos – que não sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
só para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chão, como as ondas do mar,
os acasos se vão cumprindo e vão cessando.
Mas, sem acaso, o amor límpido e exacto jaz.

Não necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equívoco do tempo, os jogos da cegueira

com setas negras na escuridão.

Vocação de Poeta

Recentemente, ao repousar
Sob essa folhagem
Ouvi bater, tiquetaque,
Suavemente, como em compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tiquetaque.

Ouvindo assim, upa,
Saltar as sílabas,
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora.
Tu poeta? Tu poeta?
Estarás assim mal da cabeça?
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Quem espero eu sob este arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

A rima é como uma flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrereis assim, pobres diabos,
Ou ficareis embriagados,
«Sim, senhor, você é poeta»,
Diz Pic, o Pássaro, encolhendo os ombros.

Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,

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Fragmento Terceiro

I

Campos de ira, tão vasto sentimento
vos afasta. íris morta! Os actos radicais
constroem, em projeto, um frágil
universo – a tinta, o espaço óptico.
Descansam os sentidos sobre pródigas
defesas: os filtros turvos, as precauções
na sua cura. Os nervos tersos
da análise da vida e da matéria.

II

Desviam-se dos livros. Hoje escreve
contra a morte dos olhos, a existência
passível de leitura. Ineptos, os sons
perdem-se na encosta. o vento fere
ainda? Inscrito
na área da cabeça, é esse rastro
ainda vivo. Domino a sua queda, os seus poderes
punitivos, a sua força hereditária.

III

Persistir no imóvel. Preencher
os anos que nos moldam
no vigor da fibra, no duro movimento
interior — a que destino, a que imaturo
ritmo, sem preço? Pois é o caro
prémio deste dorso
de o cumprir, pensar, até ao fim.
Ou de saber adestrá-lo até que,
exausto, só impulso
vigore — a morte lida
num próximo sentido, ainda vivo.

IV

Como contacto único,

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Hino à Solidão

Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.

Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.

Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!

Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.

Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.

E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,

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Entre a Flor e o Tempo

Também de dor se morre pois é morte
o sentimento ausente. O ser feliz
é ser presente, sem que mais importe
esse profundo sulco e a cicatriz
que no corpo nos marca o sofrimento.
Assim é nossa vida, sempre o lance
de viver, mesmo em dor, e dos momentos
erguer templos, embora breve o alcance
em nós do tempo. E o que restar do ardor
com que se vive o amor enfim carrega
em rosa mais perfeita e em outro amor
sonhado da extensão de nossa entrega.
No impulso com que o espaço alcança o tempo
a vida se ergue além do sofrimento.

Ó Minha Felicidade

Revejo os pombos de São Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima às suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifício multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;

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Os Grandes Indiferentes

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

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Se te Queres Matar

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…

A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,

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Cântico Negro

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre,

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Enfermaria Nove

13

Correram as cortinas: construíram
um último lugar, – indefinido
trânsito: funesto, ou devido
aos olhos que dez vezes já o viram

erguido sobre o chão de um tal piso.
Ridículo volume; mas o pano
destrói passo e sonho, – desengano
crescendo no espelho quase liso.

Um pouco mais de luz: a de não ser.
E o golpe, em si, torna-se breve:
o tempo do transporte, – se um braço

avança no desejo de prender.
E o corpo dilui-se quando leve
impulso diminui, – ou se diz lasso.

Frígida

I
Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-lhe a singular beleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

II
Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos invernos.
Não cora no seu todo a tímida candura;
Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.

III
Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,
Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!…
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

IV
Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!

V
Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trêmulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!…

VI
Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.
Ao encarar consigo a fantasia pasma;

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Triste Padeço

Aves que o ar discorrei,
No vôo as asas batendo,
E por vossas penas conta
Às minhas meu sentimento.

Compadecidas ouvi
De minha dor os excessos,
Mas em dizer que é saudade,
Digo o que posso dizer-vos.
Triste padeço, e ausente
Os golpes dos meus receios
Nas batalhas da distância,
Nos desafios do tempo.

Nas violências, do que choro,
Dos alívios desespero,
Que não adormece a queixa,
Quando a desperta o desvelo.

Esmoreceu a esperança
Nas dilações do desejo
Prognosticando a ruína
Frenético o pensamento.

Se meu mal são sintomas,
Mortais ausências, e zelos,
Era o remédio esquecer-me,
Se em mim houvera esquecimento.

Mas se faz no meu cuidado
Operações o veneno,
Viva de senti-lo quem,
Não morre de padecê-lo.

Já que morro, ingrata sorte,
Às mãos da tua porfia,
Deixa-me inquirir um dia
A causa da minha morte:

Se amor com impulso forte
Me rendeu, como me aparta
Do bem, que na alma retrata
Minha doce saudade,

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