Poemas Interrogativos de Paulo Leminski

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ASAS E AZARES

Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não doi.

eu ontem tive a impressão

eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos

quem sou eu pra falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus

ALÉM ALMA

(UMA GRAMA DEPOIS)

Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?