Poemas de José Gomes Ferreira

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Poemas de José Gomes Ferreira. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

O amor que sinto

O amor que sinto
Ă© um labirinto.

Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que nĂŁo vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
SĂł assim me pinto
neste Amor que sinto.

Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se “amar nada”
chame-se “amar tudo”.

E porque nĂŁo minto
sou um labirinto.

Se Eu Agora Inventasse o Mundo

Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
– conspiração da noite
com as pedras.

Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silĂŞncio
com esqueletos de asas
– conluio com o sol
para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhĂŁ,
mil mĂŁos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes…

Abro a janela
O mundo cheira tĂŁo bem a trevos ausentes!

Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.

Entrei no café com um rio na algibeira

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chĂŁo,
a vĂŞ-lo correr
da imaginação…

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebĂŞ-las.

Depois, encostado Ă  mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde sĂł procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

Dá-me a tua mão

Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidĂŁo
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.

Viver Sempre também Cansa

Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora Ă© azul, nitidamente azul,
ora Ă© cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo nĂŁo se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
NĂŁo cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua nĂŁo tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens sĂŁo os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.