Poemas de Machado de Assis

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Poemas de Machado de Assis. Conheça este e outros autores famosos em Poetris.

Ăšltima Folha

Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A Ăşltima harmonia.

Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chĂŁo as alvas rosas
E as alvas margaridas.

VĂŞs? NĂŁo Ă© noite, nĂŁo, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.

Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silĂŞncio da planĂ­cie,
Como um frio sudário.

Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.

Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!

EntĂŁo, nas horas solenes
Em que o mĂ­stico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;

Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,

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Os Semeadores

VĂłs os que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ásperos e amargos
Tempos do semeador?

Rude era o chĂŁo; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses herĂłis
Souberam resistir na afanosa porfia
Aos temporais e aos sĂłis.

Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,
E a fé, e as orações
Fizeram transformar a terra pobre em rica
E os centos em milhões.

Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,
O frio, a descalcĂŞs,
O morrer cada dia uma morte sem nome,
O morrĂŞ-la, talvez,

Entre bárbaras mãos, como se fora crime,
Como se fora réu
Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De as levantar ao céu!

Ă“ Paulos do sertĂŁo! Que dia e que batalha!
Venceste-a; e podeis
Entre as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis, vivereis!

Lágrimas de Cera

Passou; viu a porta aberta.
Entrou; queria rezar.
A vela ardia no altar.
A igreja estava deserta.

Ajoelhou-se defronte
Para fazer a oração;
Curvou a pálida fronte
E pĂ´s os olhos no chĂŁo.

Vinha trĂŞmula e sentida.
Cometera um erro. A Cruz
É a âncora da vida,
A esperança, a força, a luz.

Que rezou? NĂŁo sei. Benzeu-se
Rapidamente. Ajustou
O véu de rendas. Ergueu-se
E Ă  pia se encaminhou.

Da vela benta que ardera,
Como tranqĂĽilo fanal,
Umas lágrimas de cera
Caíam no castiçal.

Ela porém não vertia
Uma lágrima sequer.
Tinha a fé, — a chama a arder, —
Chorar Ă© que nĂŁo podia.

O Verme

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidĂŁo…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciĂşme.

Quando Ela Fala

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudeste* eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.

As Rosas

Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vĂŁo ostentais, em vĂŁo,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; Ă© o diadema
Da ilusĂŁo.

Em vĂŁo encheis de aroma o ar da tarde;
Em vĂŁo abris o seio Ăşmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vĂŁo ornais a fronte Ă  meiga virgem;
Em vĂŁo, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mĂŁo indiferente.

Tal Ă© o vosso destino,
Ă“ filhas da natureza;
Em que vos pese Ă  beleza,
Pereceis;
Mas, nĂŁo… Se a mĂŁo de um poeta
Vos cultiva agora, Ăł rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.

Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hĂŁo de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusĂŁo voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vĂ´o das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espĂ­rito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
Ă€ alma convalescente,
Tal Ă© na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espĂ­rito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente Ă© passado,
Nunca o futuro Ă© presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,

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Lua Nova

Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.

E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vĂŞ-la, Jaci, mĂŁe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pĂ´de vencĂŞ-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.

***

E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”

***

E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,

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Cantiga do Rosto Branco

Rico era o rosto branco; armas trazia,
E o licor que devora e as finas telas;
Na gentil Tibeima os olhos pousa,
E amou a flor das belas.

“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;
“Quando, junto de ti, teus olhos miro,
A vista se me turva, as forças perco,
E quase, e quase expiro.”

E responde a morena requebrando
Um olhar doce, de cobiça cheio:
“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;
Aperta-me em teu seio!”

Uma cabana levantaram ambos,
O rosto branco e a amada flor das belas…
Mas as riquezas foram-se co’o tempo,
E as ilusões com elas.

Quando ele empobreceu, a amada moça
Noutros lábios pousou seus lábios frios,
E foi ouvir de coração estranho
Alheios desvarios.

Desta infidelidade o rosto branco
Triste nova colheu; mas ele amava,
Inda infiéis, aqueles lábios doces,
E tudo perdoava.

Perdoava-lhe tudo, e inda corria
A mendigar o grĂŁo de porta em porta,
Com que a moça nutrisse, em cujo peito
Jazia a afeição morta.

E para si,

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