O Amor
I
Eu nunca naveguei, pieguĂssimo argonauta
Dans les fleuves du tendre, onde hĂĄ naufrĂĄgios bons,
Conduzindo Florian na tolda a tocar frauta,
E cupidinhos d’oiro a tasquinhar bombons.
Nunca ninguém me viu de capa à trovador,
Ăs horas em que estĂĄ jĂĄ Menelau deitado,
A tanger o arrabil sob os balcÔes em flor
Dos castelos feudais de papelĂŁo doirado.
NĂŁo canto de Anfitrite as vaporosas fraldas,
(Eu não quero com isto, ó Vénus, descompor-te)
Nem costumo almoçar c’roado de grinaldas,
Nem nunca pastoreei enfim, vestido Ă corte,
De bordão de cristal e punhos de Alençon,
Borreguinhos de neve a tosar esmeraldas
Num lameiro qualquer de qualquer Trianon.
Eu não bebo ambrósia em taças cristalinas,
Bebo um vinho qualquer do Douro ou de Bucelas,
Nem vou interrogar as folhas das boninas,
Para saber o amor, o tal amor das Elas.
NĂŁo visto da poesia a tĂșnica inconsĂștil,
Pela simples razĂŁo, sob o pretexto fĂștil
De ter visto passar na rua uns pés bonitos;
Nem do meu coração eu fiz um paliteiro,
Onde venha o amor cravar os seus palitos.
Poemas sobre ManhĂŁ de Guerra Junqueiro
4 resultadosPortugal
Maior do que nĂłs, simples mortais, este gigante
foi da glĂłria dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrĂŁo dilatou, inĂłspito montado,
numa pĂĄtria… E que pĂĄtria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!
Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinĂłis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados pĂncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundĂąncia, amor, concĂłrdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhĂȘs e herĂłico Ă beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!
PĂĄtria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreĂŁo de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiÔes, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor,
Adoração
Eu nĂŁo te tenho amor simplesmente. A paixĂŁo
Em mim não é amor; filha, é adoração!
Nem se fala em voz baixa Ă imagem que se adora.
Quando da minha noite eu te contemplo, aurora,
E, estrela da manhĂŁ, um beijo teu perpassa
Em meus låbios, oh! quando essa infinita graça
do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante
Eu sinto â virgem linda, inefĂĄvel, radiante,
Envolta num clarĂŁo balsĂąmico da lua,
A minh’alma ajoelha, trĂ©mula, aos pĂ©s da tua!
Adoro-te!… NĂŁo Ă©s sĂł graciosa, Ă©s bondosa:
Além de bela és santa; além de estrela és rosa.
Bendito seja o deus, bendita a ProvidĂȘncia
Que deu o lĂrio ao monte e Ă tua alma a inocĂȘncia,
O deus que te criou, anjo, para eu te amar,
E fez do mesmo azul o cĂ©u e o teu olhar!…
Recordam-se VocĂȘs do Bom Tempo d’Outrora
(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)
Recordam-se vocĂȘs do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que nĂŁo volta mais,
Quando Ăamos a rir pela existĂȘncia fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsĂąmina em flor.
Que doiradas cançÔes nossas bocas vermelhas
NĂŁo lançaram entĂŁo perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glĂłria e mil sonhos dispersos,
CançÔes feitas sem versos,
E que nĂłs nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São åureos colibris das regiÔes da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai jĂĄ sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega Ă nossa alma,entĂŁo
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida Ă© um Sol que chega ao cĂșmulo
Quando cantam em nós essas cançÔes celestes;