Velho amador, inverno em flor.
Passagens sobre Inverno
158 resultadosNo meio do inverno, aprendi que existia em mim um invencĂvel verĂŁo.
Gazel da Lembrança de Amor
Tua lembrança não leves.
Deixa-a sozinha em meu peito,tremor de alva cerejeira
no martĂrio de janeiro.Dos que morreram separa-me
um muro de sonhos maus.Dou pena de lĂrio fresco
para um coração de gesso.A noite inteira, no horto,
meus olhos, como dois cĂŁes.A noite inteira, correndo
os marmelos de veneno.Algumas vezes o vento
uma tulipa Ă© de medo,Ă© uma tulipa enferma
a madrugada de inverno.Um muro de sonhos maus
me afasta dos que morreram.A névoa cobre em silêncio
o vale gris de teu corpo.Pelo arco do encontro
a cicuta está crescendo.Mas deixa tua lembrança,
deixa-a sozinha em meu peito.Tradução de Oscar Mendes
O Livro da Vida
Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarĂŁo da primeira alvorada.Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espĂrito esclareça!Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.Mas o tempo caminha; os anos vĂŁo correndo;
Passam as gerações; tudo Ă© pĂł, tudo Ă© vĂŁo…
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer,
Nasce Mais uma Vez
Nasce mais uma vez,
Menino Deus!
NĂŁo faltes, que me faltas
Neste inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado.
Nasce e fica comigo
Secretamente,
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar,
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, sĂł de te sonhar.
E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verĂŁo invencĂvel.
Triste
Vai-se extinguindo a viva labareda
Que te abrasava o coração ridente…
Passas magoada pela rua e a gente
Umas converses funerais segreda.NĂŁo tens no olhar o sangue q’embebeda,
Foram-se as rosas do viver contente…
Segues, agora, pobre flor — somente
Da sepultura a essencial vereda.E vem chegando o tenebroso inverno…
Mas nesse mal devorador e eterno,
Teu organismo já nĂŁo mais resisteĂ€s punhaladas da estação de gelo…
E acabará como eu nem sei dizê-lo,
Triste, bem triste, pesarosa, triste!
És como o Ar que Respiro
Qual Ă© a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou trĂŞs princĂpios cristĂŁos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tĂŁo pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silĂŞncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres tĂŞem cumprido a vida em silĂŞncio, aceitando-a sem exageros. Nas mĂŁos das mulheres atĂ© as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pĂŁo, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. MantĂŞem a vida ordenada com um sorriso tĂmido. A mulher está mais perto que nĂłs da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.
Cada Coisa a seu Tempo Tem seu Tempo
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
NĂŁo florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
TĂŞm branco frio os campos.Ă€ noite, que entra, nĂŁo pertence, LĂdia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.Ă€ lareira, cansados nĂŁo da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
NĂŁo puxemos a voz
Acima de um segredo,E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscĂŞncia
(NĂŁo para mais nos serve
A negra ida do Sol) —Pouco a pouco o passado recordemos
E as histĂłrias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falemDas flores que na nossa infância ida
Com outra consciĂŞncia nĂłs colhĂamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.E assim, LĂdia, Ă lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compĂşnhamosNesse desassossego que o descanso
Nos traz Ă s vidas quando sĂł pensamos
Naquilo que já fomos,
Inverno
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.Um sol pagĂŁo, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frĂgida estação do inverno.– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espĂrito moderno.
Flor da Mocidade
Eu conheço a mais bela flor;
És tu, rosa da mocidade,
Nascida, aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor.
Tem do céu a serena cor,
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor,
És tu, rosa da mocidade.Vive às vezes na solidão,
Coma * filha da brisa agreste.
Teme acaso indiscreta mĂŁo;
Vive Ă s vezes na solidĂŁo.
Poupa a raiva do furacĂŁo
Suas folhas de azul celeste.
Vive Ă s vezes na solidĂŁo,
Como filha da brisa agreste.Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno;
Que a flor morta já nada val.
Colhe-se antes que venha o mal.
Quando a terra Ă© mais jovial
Todo o bem nos parece eterno.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno.
No frio do inverno, finalmente aprendi que dentro de mim existe um insuperável verão.
Tu Ă Noite
Tu Ă noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hás-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.Toda essa honrada esperança
Ruirá na ardósia,
E destroçará o inverno
Que vocifera a teus pés.Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a águia,
Tu avançarás na corda bamba.
A uma Mulher que Sendo Velha se Enfeitava
Escuta, Ăł Sara, pois te falta espelho
Para ver tuas faltas,
NĂŁo quero que te falte meu conselho
Em presunções tão altas;
Lembro-te agora só, que és terra, e lodo,
E em terra hás de tornar-te deste modo,
Mas nĂŁo te digo, nem te lembro nada,
Porque há muito, que em terra estás tornada.Que importa, que algum tempo a prata pura
De tuas mĂŁos nascesse,
E que de teus cabelos a espessura
As minas de ouro desse,
Se o tempo vil, que tudo troca, e muda,
Somente de ouro pĂ´s por mais ajuda
Em tuas mĂŁos de prata o amarelo,
E a prata de tuas mĂŁos em teu cabelo.Se um tempo foram de marfim brunido
No século dourado,
Não vês, que o tempo as tem já consumido?
NĂŁo vĂŞs, que as tem gastado?
Deixa, Senhora, deixa os vĂŁos enredos,
Pois quando toco teus nodosos dedos,
Me parece, que apalpo sem enganos
Cinco cordões de frades Franciscanos.Viciando a natureza com tuas tintas,
Com pincéis delicados
Jasmins, e rosas em teu rosto pintas,
As Almas Das Cigarras
As cigarras morreram… Todavia
Sinto um leve rumor tranqĂĽilo e lento
Que vai, de ramaria em ramaria,
Lento e tranqĂĽilo como o pensamento.As cigarras nĂŁo sĂŁo, porque, outro dia,
Vi que soltavam o Ăşltimo lamento…
E o vento? Deve ser a alma do vento
Que entre os ramos das árvores cicia…Entretanto o rumor parece eterno…
Agora que as estrelas se acenderam,
Vibra num coro, em serenata, ao luar…Contam os lavradores que, no inverno,
As almas das cigarras que morreram
Ressuscitam nas folhas a cantar.
Um Pássaro a Morrer
NĂŁo Ă© vida nem morte, Ă© uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se já não me seduz outra viagem?E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, sĂł tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mĂŁo,sem um bĂşzio a cantar ao meu ouvido.
SĂł tristeza, um silĂŞncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.
Madrigal Excentrico
Tu que nĂŁo temes a Morte,
Nem a sombra dos cyprestes,
Escuta, Lyrio do Norte,
Os meus canticos agrestes:……………………………………
……………………………………
……………………………………
……………………………………Tu ignoras os desgostos
D’um coração torturado,
Mais tristes do que os soes postos,
Ou de que um bobo espancado!Eu bem sei, Ăł Musa louca
Que nĂŁo conheces a magoa…
E tens um riso na boca
Como um cravo aberto n’agua…Eu bem sei… bem sei que ris
Dos meus madrigaes modernos.
Sem cuidar, Ăł flor de liz!
Que hĂŁo de chegar-te os invernos!Que nos corre a Mocidade,
Qual folha verde do val,
E ha de vir-te a tempestade,
Ó branco lyrio real!Que has de ser como a açucena
Varrida pelo nordeste…
E os prantos da minha pena
Que hĂŁo de regar teu cypreste!Que ha de a terra agreste e dura
Servir-te de ultimo leito…
E a pedra da sepultura
Quebrar teu corpo perfeito!E has de, emfim, ser devorada
Na fria noute,
Para o ignorante, a velhice Ă© o inverno; para o instruĂdo Ă© a estação da colheita.
A Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ă“ fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
Na noite de inverno o frio não é só no corpo: as tábuas estalam.