Poemas sobre Memórias

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Poemas de memórias escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Volta até Mim no Silêncio da Noite

Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré cheia da manhã com que
todos os náufragos sonharam.

Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

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O Amigo

1.

Um amigo, o primeiro amigo
dentro da nuvem de um sonho.

O impossível toca-nos as mãos
subitamente — o fogo, a flor concêntrica
de planetas no exílio.

Na terra do silêncio
os frutos caem
de sua própria vontade.

2.

Ao coração das coisas,
ao jugo das cores da memória,
ao pequeno desvio da sombra no deserto,
ao amor que nos alimenta de morte, à morte
que morre connosco
opomos a infinita
constelação
dos nossos sentidos.

Amor

Dentro da noite,
o som escuro de um monjolo
— pilão como nós chamávamos —
e a azenha mais distante, denunciavam
a clareza do riacho.

A fantástica visão do passado,
memória contando histórias!

Da janela fechada
uma frincha de luz ia incidir
no galho pendido, nítido aos meus olhos.
E bem na ponta —, seio tentando —
a rósea, a serena forma do pêssego
em sua penugem — puro e obsceno!
Havia vento, (não sei)
mas devia haver
quando o urubu, tétrico
e hirto no seu desequilíbrio,
pousou sobre a planta
e o fruto bicou,
e o fruto bicou
bem no jacto de luz.

Cantar do Amigo Perfeito

Passado o mar, passado o mundo, em longes praias,
de areia e ténues vagas, como esta
em que haverá de nossos passos a memória
embora soterrada pela areia nova,
e em que sobre as muralhas quanta sombra
na pedra carcomida guarda que passámos,
em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas esta, ó meu amigo?

Aqui passeámos tanta vez, por entre os corpos
da alheia juventude, impudica ou severa,
esplêndida ou sem graça, à venda ou pronta a dar-se,
ido na brisa o sol às mais sombrias curvas;
e o meu e o teu olhar guiando-se leais,
de nós um para o outro conquistando
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui relembro as ruas tenebrosas,
de vulto em vulto percorridas, lado a lado,
numa nudez sem espírito, confiança
tranquila e áspera, animal e tácita,
já menos que amizade, mas diversa
da suspeição do amor, tão cauta e delicada
– em longes praias, outras nuvens, outras vozes,
ainda as recordas, diz, ó meu amigo?

Também aqui,

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Como Nossos Pais

Não quero lhe falar, meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina!
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam,

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A Nossa Vez

É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar

e entram clandestinas no poema.
São os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a espera

e a demora. São as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer

a nossa vez.

Na Ampla Praça há apenas Plátanos

Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.

Amor

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

Recado

Se eu morrer longe
sepulta-me no mar
dentro das algas ignorantes
e lúcidas.

Cobre o meu rosto de palavras
antigas
e de música.

Deixa em meus dedos
a memória mais recente
de outras coisas inúmeras

e nos meus cabelos
o incerto movimento
do vento e da chuva.

Eu vogarei sob as estrelas
com pálidas luzes entre os cílios
e pequenos caramujos
entrarão nos meus ouvidos.

Estarei assim idêntica
a todos os motivos.

Glosa a mote alheio

“Vejo-a na alma pintada,
Quando me pede o desejo
O natural que não vejo.”

Se só no ver puramente
Me transformei no que vi,
De vista tão excelente
Mal poderei ser ausente,
Enquanto o não for de mi.
Porque a alma namorada
A traz tão bem debuxada
E a memória tanto voa,
Que, se a não vejo em pessoa,
“Vejo-a na alma pintada.”

O desejo, que se estende
Ao que menos se concede,
Sobre vós pede e pretende,
Como o doente que pede
O que mais se lhe defende.
Eu, que em ausência vos vejo,
Tenho piedade e pejo
De me ver tão pobre estar,
Que então não tenho que dar,
“Quando me pede o desejo.”

Como àquele que cegou
É cousa vista e notória,
Que a Natureza ordenou
Que se lhe dobre em memória
O que em vista lhe faltou,
Assim a mim, que não rejo
Os olhos ao que desejo,
Na memória e na firmeza
Me concede a Natureza
“O natural que não vejo.”

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Estes Versos Antigos

Estes versos antigos que eu dizia
Ao compasso que marca o coração
Lembram ainda?… Lembrarão um dia…
— Nas memórias dispersas recolhidas
Sequer na piedosa devoção

De algum livro de cousas esquecidas?
— Acaso o que ora canta… vive… existe
Nunca mais lembrará — eternamente?
E vindo do não ser, vai, finalmente,
Dormir no nada… majestoso e triste?

Quem Somos

Quem somos, senão o que imperfeitamente
sabemos de um passado de vultos
mal recortados na neblina opaca,
imprecisos rostos mentidos nas páginas
antigas de tomos cujas palavras

não são, de certo, as proferidas,
ou reproduzem sequer actos e gestos
cometidos. Ergue-se a lâmina:
metal e terra conhecem o sangue
em fronteiras e destinos pouco

a pouco corrigidos na memória
indecifrável das areias.
A lápide, que nomeia, não descreve
e a história que o historia,
eco vário e distorcido, é já

diversa e a si própria se entretece
na mortalha de conjecturados perfis.
Amanhã seremos outros. Por ora
nada somos senão o imperfeito
limbo da legenda que seremos.

Glosa para José Gomes Ferreira

O mundo, dizias tu,
não é só dos pássaros
e do vento, o mundo
é também nosso. Foi
por isso, poeta,
que encheste
uma gaveta
de nuvens com a memória
das palavras e acendeste
no chão
dos dias
comuns
algumas estrelas
com tua mão.

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Poema de Amor

O céu, as linhas de luz na água,
caminhos diferentes para o coração.
A queda de sons diversos na atenta coincidência
dos ouvidos. A relação de uma límpida tarde
com um movimento de ombros junto do teu corpo,
na luminosa sequência da tua voz.
Um andar divino de transparente espectro
sobre o fundo de árvores;
o acentuar da impressão dos teus olhos
na quente atmosfera estagnada.
Mas o súbito levantar do vento dissipou
a primitiva aparência. Um canto lívido
de mortas recordações apenas subsistiu,
o indefinido desgosto dos teus braços,
o remorso de gestos incompletos
que a memória suspende.
Nem me espanto já com a tua proximidade.
Bem vindos, decompostos lábios!
O ranger da cama sobrepõe-se
ao ruído das cigarras.

Gratidão

A minha gratidão te dá meus versos:
Meus versos, da lisonja não tocados,
Satélites de Amor, Amor seguindo
Co’as asas que lhes pôs benigna Fama,
Qual níveo bando de inocentes pombas,
Os lares vão saudar, propícios lares,
Que em doce recepção me contiveram
Incertos passos da Indigência errante;
Dos olhos vão ser lidos, que apiedara
A catástrofe acerba de meus dias,
Dos infortúnios meus o quadro triste;
Vão pousar-te nas mãos, nas mãos que foram
Tão dadivosas para o vate opresso,
Que o peso dos grilhões me aligeiraram,
Que sobre espinhos me esparziram flores,
Enquanto não recentes, vãos amigos,
Inúteis corações, volúvel turba
(A versos mais atenta que a suspiros)
No Letes mergulhou memórias minhas.
Amigos da Ventura e não de Elmano,
Aónio serviçal de vós me vinga;
Ao nome da Virtude o Vício core.

Não sei se vens de heróis, se vens de grandes;
Não sei, meu benfeitor, se teus maiores
Foram cobertos, decorados foram
De purpúreos dosséis, de márcios loiros;
Sei que frequentas da Amizade o templo,
Que és grande,

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Sê Rei de Ti Próprio

Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra,
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam.
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos:
deixai-me esquecer o tempo,
inclinar nas mãos a testa desencantada,
e de mim mesma desaparecer,
— que o clamor dos homens gloriosos
cortou-me o coração de lado a lado.

Pois era um clamor de espadas bravias,
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos,
ah, sem relâmpagos…
pegajosas de lodo e sangue denso.

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava!
Nuvens brandas, construindo mundos,
como se apagaram de repente!

Ah, o clamor dos homens gloriosos
atravessando ebriamente os mapas!

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna.

Senhor da Vida, leva-me para longe!
Quero retroceder aos aléns de mim mesma!
Converter-me em animal tranquilo,
em planta incomunicável,
em pedra sem respiração.

Quebra-me no giro dos ventos e das águas!
Reduze-me ao pó que fui!
Reduze a pó minha memória!

Reduze a pó
a memória dos homens,

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Pernoitas em Mim

pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória… amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes