Poemas sobre Olhar

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Poemas de olhar escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Adeus

Sim, vou partir.
E não levo saudade
De ninguém
Nem em ti penso agora!
Julgavas que a tristeza desta hora
Fosse maior que a firme vontade
Que eu pus em destruir
O luminoso fio de ternura
Que me prendia ao teu olhar?
Julgaste mal:
Eu sei amar,
Mas meu amor
O que eu não sei
É ser banal!

Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
O hábito cortês da despedida
– e o hábito faz lei!

Choro?! Oh, sim , perdidamente!
Mas sabes tu, por que este pranto
Assim amargo e soluçado vem?
É que na hora da partida
Eu nunca pude sem chorar
Dizer adeus a ninguém!

Que Feliz Destino o Meu

MOTE

«Que feliz destino o meu
Desde a hora em que te vi;
Julgo até que estou no céu
Quando estou ao pé de ti.»

GLOSAS

Se Deus te deu, com certeza,
Tanta luz, tanta pureza,
P’rò meu destino ser teu,
Deu-me tudo quanto eu queria
E nem tanto eu merecia…
Que feliz destino o meu!

Às vezes até suponho
Que vejo através dum sonho
Um mundo onde não vivi.
Porque não vivi outrora
A vida que vivo agora
Desde a hora em que te vi.

Sofro enquanto não te veja
Ao meu lado na igreja,
Envolta num lindo véu.
Ver então que te pertenço,
Oh! Meu Deus, quando assim penso,
Julgo até que ‘stou no céu.

É no teu olhar tão puro
Que vou lendo o meu futuro,
Pois o passado esqueci;
E fico recompensado
Da perda desse passado
Quando estou ao pé de ti.

A Despedida da Morte

Falo de mim porque bem sei que a vida
lava o meu rosto com o suor dos outros,
que também sou, pois sou tudo o que posto

ao meu redor se cala, e é pedra, ou, água,
cicia apenas — O teu tempo é a trava
que te impede de ter a calma clara

do chão de lajes que o sol recobre,
este esperar por tudo que não corre,
nem pára e nem se apressa, e é só estado,

e nem sequer murmura: — O que te trazem
é o riso e o lamento, o ser amado
e o roçar cada dia a tua morte,

que não repõe em ti o, sem passado,
ficar no teu escuro, pois herdaste
e legas um sussurro, um som de passos,

uma sombra, um olhar sobre a paisagem,
memória, cálcio, húmus, eis que o mundo
nada rejeita, sendo pobre e triste
no esplendor que nos dá. A madrugada.

A Vida

Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!

Ó Quarta-feira de Trevas!

Vossa luz é maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vós que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ó pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ó pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vão na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ó janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ó luas negras,

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Hino à Dor

Sorri com mais doçura a boca de quem sofre,
Embora amargue o fel que os seus lábios beberam;
É mais ardente o olhar onde, como um aljofre,
A Dor se condensou e as lágrimas correram.

Soa, como se um beijo ou uma carícia fosse,
A voz que a soluçar na Desgraça aprendeu;
E não há para nós consolação mais doce
Que o regaço de quem muito amou e sofreu.

Voz, que jamais vibrou num soluço de mágoa,
Ao nosso coração nunca pode chegar…
Mas o pranto, ao cair duns olhos rasos de água,
Torna mais penetrante e mais profundo o olhar.

Lábio, que só bebeu na fonte da Alegria,
É frio, como o olhar de quem nunca chorou;
A Bondade é uma flor que se alimenta e cria
Dos resíduos que a Dor no coração deixou.

Em tudo quanto existe o Sofrimento imprime
Uma augusta expressão… mesmo a Suprema Graça,
Dando aos versos do Poeta esse esmalte sublime
Que torna imorredoira a Inspiração que passa.

É por isso que a Dor, sem trégua nem guarida,

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Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

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Como Podemos Esperar

Como podemos esperar.
Aguardar o que nossas mãos possam reter.
Uma palavra. O olhar cúmplice. Se as coisas
têm já o estado do vento
o que nas ruas fica das vozes ao fim do dia.

Aguardar mais aguardar nada
quanto mais se repete uma palavra
«estou sentado virado para a parede desta casa»
baixo, mais baixo ainda,
«estou sentado virado para a parede desta casa».

Fazer que não haja sucedido o sucedido.
O prazer de sentir chegar as coisas
o riso sob a chuva
o frio que faz. Aqui

como podemos esperar uma noite de lua e vento?

Aquella Orgia

Nós eramos uns dez ou onze convidados,
– Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.

Tocava o termo a ceia – e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.

Todos riam sem causa. – A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
– E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.

Crusavam-se no ar ditos como facadas;
Escandalos de amor, historias sensuaes…
– Rolavam nos divans caindo, ás gargalhadas,
Sujos como truões, torpes como animaes.

Um agitando o ar com risos desmanchados,
Recitava canções, farças, Hamlet e Ophelia;
– Outro perdido o olhar, e os braços encruzados,
De bruços, n’um divan, roia uma camelia!

Outros fingindo a dôr, fallavam dos ausentes,
Das amantes, dos paes, com gritos d’afflicção,
– Um brandia um punhal, com ditos incoherentes;

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Nevermore

Ah, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiado

E o sol dardejava um monótono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.

A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
«Qual foi o teu mais belo dia?» disse a voz

De oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E então, como um devoto, beijei-lhe a mão branca.

— Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nós ressoa o murmúrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Rosa Pálida

Rosa pálida, em meu seio
Vem, querida, sem receio
Esconder a aflita cor.
Ai!, a minha pobre rosa!
Cuida que é menos formosa
Porque desbotou de amor.

Pois sim… quando livre, ao vento,
Solta de alma e pensamento,
Forte de tua isenção,
Tinhas na folha incendida
O sangue, o calor e a vida
Que ora tens no coração.

Mas não eras, não, mais bela,
Coitada, coitada dela,
A minha rosa gentil!
Coravam-na então desejos,
Desmaiam-na agora os beijos…
Vales mais mil vezes, mil.

Inveja das outras flores!
Inveja de quê, amores?
Tu, que vieste dos Céus,
Comparar tua beleza
Às filhas da natureza!
Rosa, não tentes a Deus.

E vergonha!… de quê, vida?
Vergonha de ser querida,
Vergonha de ser feliz!
Porquê?… porquê em teu semblante
A pálida cor da amante
A minha ventura diz?

Pois, quando eras tão vermelha
Não vinha zângão e abelha
Em torno de ti zumbir?
Não ouvias entre as flores
Histórias dos mil amores
Que não tinhas,

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Proémio

Em nome daquele que a Si mesmo se criou!
De toda eternidade em ofício criador;
Em nome daquele que toda a fé formou,
Confiança, actividade, amor, vigor;
Em nome daquele que, tantas vezes nomeado,
Ficou sempre em essência imperscrutado:

Até onde o ouvido e o olhar alcançam,
A Ele se assemelha tudo o que conheces,
E ao mais alto e ardente voo do teu ‘spírito
Já basta esta parábola, esta imagem;
Sentes-te atraído, arrastado alegremente,
E, onde quer que vás, tudo se enfeita em flor;
Já nada contas, nem calculas já o tempo,
E cada passo teu é já imensidade.

*

Que Deus seria esse então que só de fora impelisse,
E o mundo preso ao dedo em volta conduzisse!
Que Ele, dentro do mundo, faça o mundo mover-se,
Manter Natureza em Si, e em Natureza manter-Se,
De modo que ao que nele viva e teça e exista
A Sua força e o Seu génio assista.

*

Dentro de nós há também um Universo;
Daqui nasceu nos povos o louvável costume
De cada qual chamar Deus,

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Criei, não Possuí

Criei, não possuí.
Instante de infinitude, o que moldei na voz
respira. A firme casa do meu corpo se fez
pelo contraste, que só o contrário cria.
Não possuí,
denso ou raro,
pequeno até ao nada,
nenhum símbolo,
nenhum olhar de brasa,
nenhum odor colado à pele.
Pretendi a verdade, mas tudo se muda
pelos meus olhos e a fosca luz do que foi viver
só no amor se moveu. Morto o amor,
transforma-se a água.
Onde a noite não há e o dia não é,
esqueço as mudanças do tempo
e com meus ardis me defendo
do terror de mim.

Vírgula

Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

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Hora de Ponta

Apanhar um lugar a esta hora é uma sorte, poder olhar
pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática,
que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor
a hortelã e um ar fresco interrompido pela velha senhora
a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece
de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro
a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente
do homem gordo na minha orelha, com a mão livre
apertada contra o peito, contra o visco da hora apinhada
na minha pele pública, na minha pele de todos.
No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso
doce e cansado, os olhos brilhantes, a candura intacta
toma-me toda como se eu fosse um anjo
descendo à terra com um corpo real para que a minha pele
receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho,
o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto
cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para
os outros. No teu rosto ã hora de ponta aprendo a compaixão
até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.

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Guia-me a Só a Razão

Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.

Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.

Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
«Cego, fora eu bendito» ?

Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão —
Olhar de conhecer.

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.

A Morte o Amor a Vida

Julguei que podia quebrar a profundeza a
[imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
[nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula

Tu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
[estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
[para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
[as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
[tempos

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite

A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.

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Demogorgon

Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.

Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!

Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.

Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente…
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!

Baladas Românticas – Verde…

Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!…
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho…
Como me pesa a solidão!

Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
– Verde também, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Te palpitava o coração…
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidão!

Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
– Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar…
E digo a cada passarinho:
“Não cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exílio desta solidão!”

No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mão!
Como inda é verde este caminho…
Mas como o afeia a solidão!

À Minha Filha

Vejo em ti repetida,
A anos de distância,
A minha própria vida,
A minha própria infância.

É tal a semelhança,
É tal a identidade,
Que é só em ti, criança,
Que entendo a eternidade.

Todo o meu ser se exala,
Se reproduz no teu:
É minha a tua fala,
Quem vive em ti, sou eu.

Sorris como eu sorria,
Cismas do meu cismar,
O teu olhar copia,
Espelha o meu olhar.

És como a emanação,
Como o prolongamento,
Quer do meu coração,
Quer do meu pensamento.

Encarnas de tal modo
Minha alma fugitiva,
Que eu não morri de todo
Enquanto sejas viva!

Por que mistério imenso
Se fez a transmissão
De quanto sinto e penso
Para esse coração?

Foi como se eu andasse
Noutra alma a semear
Meu peito, minha face,
Meu riso, meu olhar…

Meus íntimos desejos,
Meus sonhos mais doirados,
Florindo com meus beijos
Os campos semeados.

Bendita é a colheita,
Deus confiou em nós…

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O Outro

Vão para ti, amor de algum dia,
os gritos rubros da minha alma em sangue;
vives cm mim, corres-me nas veias,
andas a vibrar
na minha carne exangue!

Mas, quando nos teus olhos poisa o meu olhar
enoitado e triste,
vejo-te diferente…
Aquele que tu eras, e que eu amo ainda,
perdeu-se de ti
…e só em mim existe!