Poemas sobre Olhos de Fernando Assis Pacheco

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Poemas de olhos de Fernando Assis Pacheco. Leia este e outros poemas de Fernando Assis Pacheco em Poetris.

Os Anos Quarenta

Amo-te mais quando olho quando
para a torneira do gĂĄs quando estou nu Ă  noite quando
e começo a mexer em pùnico os ossos da mão direita
hĂĄ domingos hĂĄ a infĂąncia em que se parou numas escadas altas
ouvia-se a guerra ia-se para a cama por causa do ciclone
e quando o vento vem e decepa e quando
as ĂĄrvores da rua Ă© a mĂŁe que recorta
uns papéis
brancos para colar nos vidros
ou quando (da capo) esse homem
nu Ă  noite quando olha

e vejo vĂȘ-se
o indicador direito
manchado de nicotina

depois uma vez desfila
a vitĂłria! surpreendo-os na sala
que me dĂŁo dinheiro e corro a comprar barros
na feira e quando quando coisas assim
partia logo e isso era a tristeza

volto a pensar: que queria eu na infĂąncia
o sol? outro nome sobre o meu tĂŁo frĂĄgil?

amo-te mais Ă  noite portanto
quando dobro as calças e começo
quando esse gesto Ăștil quando
bate numas pernas e vĂȘ-se
de trinta e cinco anos

A Bela do Bairro

Ela era muito bonita e benza-a Deus
muito puta que era sempre Ă  espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quĂȘ? Quinze anos
tenho o quĂȘ uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio Ă  hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo nĂŁo parece
senão o céu afinal um pechisbeque

ainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetĂŁo sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta nĂŁo Ă© para esquecer nem lĂĄ ao fundo
como entĂŁo puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miĂșda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor

Genérico

E tu, meu pai? Adivinho esses vidrilhos
das lĂĄgrimas quebrando
um a um na boca triste mas
por dentro, para que digamos
mais tarde, sem invenção escusada:
o pai nĂŁo chorou.

Eu soube das tuas fĂșrias
mordendo-se em silĂȘncio,
ou de como te pÔes
Ă s vezes tĂŁo de cinza.
O barco, o barco. Ficaremos
ainda estes minutos quantos.
Do que quiseres. E como quiseres.
Fala. Mas nada de telegramas
para depois da barra
– posso nĂŁo os abrir,
juro que posso.
Se eu fosse um amigo, se estivesses
em frente dum copo.
Custava menos. Assim
deslizas a unha
pelo tecido da farda, inĂștil
dedo terno com os olhos longe.
O pai, que nĂŁo chorou, tremia
de modo imperceptĂ­vel.

Lembro-me da bebedeira
em Alpedrinha, na estalagem,
com o LuĂ­s Melo
subitamente velho.
«Tramados, på, tramados.»
O carro falha, sĂŁo as velas
os platinados sujos
«a puta que os pariu» (Luís).

Um Ășltimo aceno sĂł vinho
para estas adolescentes
ao balcĂŁo do bar e depois e depois?

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Seria o Amor PortuguĂȘs

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhĂŁs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pĂł sobre os mĂłveis tua ausĂȘncia.

Se nĂŁo Ă©s tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam Ă  porta,
a solidĂŁo Ă© uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pĂĄssaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lĂĄbios aflitos.
Por exemplo: destruir o silĂȘncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importĂąncia
que hĂĄ na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. FertilizĂĄ-lo.
«Que me importa que batam Ă  porta…»
Sair de trĂĄs da prĂłpria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhĂŁs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhĂŁs
e lhes perdi a conta, pois Ă© como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,

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