arte poética
o poema nĂŁo tem mais que o som do seu sentido,
a letra p nĂŁo Ă© a primeira letra da palavra poema,
o poema Ă© esculpido de sentidos e essa Ă© a sua forma,
poema nĂŁo se lĂȘ poema, lĂȘ-se pĂŁo ou flor, lĂȘ-se erva
fresca e os teus lĂĄbios, lĂȘ-se sorriso estendido em mil
ĂĄrvores ou cĂ©u de punhais, ameaça, lĂȘ-se medo e procura
de cegos, lĂȘ-se mĂŁo de criança ou tu, mĂŁe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que nĂŁo
se escrevem, LĂȘ-se paĂs e mar e cĂ©u esquecido e
memĂłria, lĂȘ-se silĂȘncio, sim tantas vezes, poema lĂȘ-se silĂȘncio,
lugar que nĂŁo se diz e que significa, silĂȘncio do teu
olhar doce de menina, silĂȘncio ao domingo entre as conversas,
silĂȘncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silĂȘncio
de ti, pai, que morreste em tudo para sĂł existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema nĂŁo Ă© esta caneta de tinta preta, nĂŁo Ă© esta voz,
Poemas sobre Perfume
90 resultadosAnda, Vem
Anda, vem… por que te nĂ©gas,
Carne morĂȘna, toda perfume?
Por que te cĂĄlas,
Por que esmoreces
Boca vermĂȘlha, – rosa de lume!Se a luz do dia
Te cĂłbre de pĂȘjo,
Esperemos a noite presos n’um beijo.DĂĄ-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arĂŽma e o calĂŽr
Da tua carne, – meu amĂŽr!E ouve, mancebo alĂĄdo,
Não entristeças, não penses,
– SĂȘ contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado…Anda, vem… dĂĄ-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;Tenho Saudades da vida!
Tenho sĂȘde dos teus beijos!
o suporte da mĂșsica
o suporte da mĂșsica pode ser a relação
entre um homem e uma mulher, a pauta
dos seus gestos tocando-se, ou dos seus
olhares encontrando-se, ou das suasvogais adivinhando-se abertas e recĂprocas,
ou dos seus obscuros sinais de entendimento,
crescendo como trepadeiras entre eles.
o suporte da mĂșsica pode ser uma apetĂȘnciados seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se
ramifica entre os timbres, os perfumes,
mas é também um ritmo interior, uma parcela
do cosmos, e eles sabem-no, perpassandopor uns frĂĄgeis momentos, concentrado
num ponto minĂșsculo, intensamente luminoso,
que a mĂșsica, desvendando-se, desdobra,
entre conhecimento e cĂșmplice harmonia.
Ouve, Meu Anjo
Ouve, meu anjo:
Se eu beijåsse a tua pél?
Se eu beijĂĄsse a tua boca
Onde a saliva Ă© um mĂ©l?…Quiz afastar-se mostrando
Um sorriso desdenhoso;
Mas ai!
– A carne do assassino
Ă como a do virtuoso.N’uma attitude elegante,
Mysteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febrĂl.Na vidraça da janella,
A chuva, lĂ©ve, tinia…Elle apertou-me, cerrando
Os olhos para sonhar…
E eu, lentamente, morria
Como um perfume no ar!
Rosa Rosae
Rosa
e todas as rimas
Rosa
e os perfumes todos
Rosa
no florindo espelho
Rosa
na brancura branca
Rosa
no carmim da hora
Rosa
no brinco e pulseira
Rosa
no deslumbramento
Rosa
no distanciamento
Rosa
no que nĂŁo foi escrito
Rosa
no que deixou de ser dito
Rosa
pétala a pétala
despetalirosada
Ă Musa
Ă luz das noites serenas
A capela de açucenas
Te envolve em lĂșcido vĂ©u!
Ao meigo clarĂŁo da lua
Ăs a imagem que flutua
No puro ambiente do céu!E os ternos suspiros soltos,
E os teus cabelos revoltos
Ao sabor da viração,
Perpassam brandos na mente
Como as brisas do poente
Na cratera do vulcĂŁo!Ă santa imagem querida,
Como és bela adormecida!
Que mistério em teu palor!
Que doçura no teu canto,
E que perfume tĂŁo santo
Nas tuas cismas d’amor!Deixa cair uma rosa
Da tua fronte mimosa,
Da vida no turvo mar!
Descerra-me o paraĂso
Que no teu fugaz sorriso
Nos faz viver e sonhar!
InocĂȘncia
De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
LĂmpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!Se traz os lĂĄbios hĂșmidos e lassos
Ă que a paixĂŁo sem mĂĄcula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.Acre perfume o dessa flor agreste.
Ălcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…Em frente hĂĄ um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguĂ©m passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!
Elas SĂŁo Vaporosas
Elas sĂŁo vaporosas,
PĂĄlidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…VĂȘm, aĂ©reas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que hĂĄ nos seus vultos…Passam e agitam a brisa…
PĂĄlida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em aurĂ©ola Ă hora…Passam nos ritmos da sombra…
Ora Ă© uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…E assim vĂŁo indo, delindo
Seu perfil Ășnico e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lĂvido e frio…Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longĂnquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
PĂĄlido pĂĄlio lunar …
Meridional
Cabelos
Ă vagas de cabelo esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridĂŁo dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No bĂĄratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilaçÔes e meigos céus de luz.Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufÔes,
E, ao plĂĄcido luar, Ăł vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidÔes.Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebĂąnico e tĂŁo bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!E, ó mågica mulher, ó minha Inigualåvel,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbĂĄvel,
Entre o rumor banal dos hinos triunfais;Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionĂĄrio avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.
Rodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂŽrres de marfim.Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
HĂĄ promontĂłrios, farois,
Upam-se estĂĄtuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.Zebram-se armadas de cÎr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…Cristais retinem de mĂȘdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂȘdo.Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂrios,
Enclavinham-se delĂrios.
Listas de som enveredam…Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
HĂĄ missas e bacanais,
ExecuçÔes capitais,
Regressos, apoteoses.Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lĂĄbios esmagados,
HĂĄ corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…(HĂĄ incenso de esponsais,
HĂĄ mĂŁos brancas e sagradas,
HĂĄ velhas cartas rasgadas,
HĂĄ pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)HĂĄ elmos, trofĂ©us, mortalhas,
EmanaçÔes fugidias,