Poemas sobre Entrega

17 resultados
Poemas de entrega escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ode Triunfal

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,

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Pesada Noite

A noite cai de bruços,
cai com o peso fundo do cansaço,
cai como pedra, como braço,
cai como um século de cera,
aos tombos, aos soluços,
entre a maçã maciça e a perene pêra,
entre a tarde e o crepúsculo,
dilatação da madrugada, elástica,
cai, de borracha,
imitação de músculo,
cai, parecendo que se agacha
na sombra, e feminina, e ágil
salta, com molas de ginástica
nos pés, o abismo
do presságio,
a noite, essa mandíbula do trismo,
tétano e espasmo,
ao mesmo tempo, a noite
amorosa, à espreita do orgasmo,
ferina, mas também açoite,
contraditória
como existir esquecimento
no íntimo do homem,
na intimidade viva da memória,
reminiscências que o consomem
fugindo com o vento,
a noite, a noite acata
tudo que ocorre,
tanto aquele que mata
quanto aquele que morre,
a noite, a sensação e aguda
de um sono
fechando os olhos, invencível
como fera que estuda
a vítima, abandono
completo, fuga, salto
nas garras do impossível,
a noite pétrea do basalto,

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Corpo de Mulher…

Corpo de mulher, brancas colinas, coxas
[brancas,
pareces-te com o mundo na tua atitude de
[entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti
e faz saltar o filho do mais fundo da terra.

Fui só como um túnel. De mim fugiam os
[pássaros,
e em mim a noite forçava a sua invasão
[poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco, como uma pedra
na minha funda.

Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.
Corpo de pele, de musgo, de leite ávido e firme.
Ah os copos do peito! Ah os olhos de ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah a tua voz lenta e
[triste!

Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limite, meu
[caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua, e a dor infinita.

Só dos Mortos Devemos Ter Ciúmes

Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angústia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles
nos retiram da cama de que por nós foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tão cordatamente
entregue à nossa própria suma sumaúma.
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: é bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
Só os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, só eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mão dada e limpa que nos dessem
tropeça,

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Voto de Natal

Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.

E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!

Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida…
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.

Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.

Que amor não me engana

Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia

E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia

Coração, Olha o que Queres

MOTE

Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres…

VOLTAS

Tão tirana e desigual
Sustentam sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
Se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres…

Se alguma tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhuma se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres…

São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!

Carpe diem

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? “Não”, dizes, “nada me obrigará
à renúncia de mim próprio – nem esse olhar
que me oforece o leito profundo da sua imagem!”
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.

As Crianças Adoecem no Inverno

As crianças adoecem no Inverno,
tossem de noite,
morres por elas nesses momentos
em que precisam de ti.

Vigias o seu sono,
entregas o teu, despertas com facilidade,
olhas uma a uma as horas que passam
como se todas as crianças nascessem no Inverno.

A Alvorada do Amor

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

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Entre a Flor e o Tempo

Também de dor se morre pois é morte
o sentimento ausente. O ser feliz
é ser presente, sem que mais importe
esse profundo sulco e a cicatriz
que no corpo nos marca o sofrimento.
Assim é nossa vida, sempre o lance
de viver, mesmo em dor, e dos momentos
erguer templos, embora breve o alcance
em nós do tempo. E o que restar do ardor
com que se vive o amor enfim carrega
em rosa mais perfeita e em outro amor
sonhado da extensão de nossa entrega.
No impulso com que o espaço alcança o tempo
a vida se ergue além do sofrimento.

A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.

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Tua Chama Incendeia o Meu Pensamento

Penso: logo tua chama
incendeia o meu pensamento
logo me entregas
as pálpebras da orquídea submersa
logo o dia amanhece
em todas as conchas do teu dorso
logo os meus olhos
esvaziam o cálice de tua nudez
logo te aproximas
coroada de algas e de espumas.
Penso: logo existes
metamorfose da rosa em meu sangue.

[Argila Erótica: 14]

Inocência

De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
Límpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!

Se traz os lábios húmidos e lassos
É que a paixão sem mácula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.

Acre perfume o dessa flor agreste.
Álcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…

Em frente há um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguém passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!

Desporto e Pedagogia

I

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.

II

P’ra escolas não há bairrismo,
Não há amor nem dinheiro.
Por quê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!

III

Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.

IV

Da educação desportiva,
Que nos prepara p’ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

V

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

VI

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheiteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

VII

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,

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O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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