As Balas
Dá o Outono as uvas e o vinho
Dos olivais o azeite nos é dado
Dá a cama e a mesa o verde pinho
As balas dão o sangue derramadoDá a chuva o Inverno criador
As sementes da sulcos o arado
No lar a lenha em chama dá calor
As balas dão o sangue derramadoDá a Primavera o campo colorido
Glória e coroa do mundo renovado
Aos corações dá amor renascido
As balas dão o sangue derramadoDá o Sol as searas pelo Verão
O fermento ao trigo amassado
No esbraseado forno dá o pão
As balas dão o sangue derramadoDá cada dia ao homem novo alento
De conquistar o bem que lhe é negado
Dá a conquista um puro sentimento
As balas dão o sangue derramadoDo meditar, concluir, ir e fazer
Dá sobre o mundo o homem atirado
À paz de um mundo novo de viver
As balas dão o sangue derramadoDá a certeza o querer e o concluir
O que tanto nos nega o ódio armado
Que a vida construir é destruir
Balas que o sangue derramadoQue as balas só dão sangue derramado
Só roubo e fome e sangue derramado
Só ruína e peste e sangue derramado
Só crime e morte e sangue derramado.
Poemas sobre Semente
25 resultadosTal a Vida
Em declive trepamos pela nuvem
dos dias — em declive circundamos
obscuros cristais
transportados no sangue— e somos e
levantamos
as cores primitivas da fonte a luz
que resvala corpo a corpo
a semente sazonada de quem roubou
o fogo — em declive canto
a ternura diluída a luz reflectida
neste muro onde vejo
a secreção da fala onde ouço
um caminho de metáforas: tal
a vida —
Hino à Solidão
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo
[aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,
— Sonhos puros que nele em beleza revoam
E ficam a brilhar, sóis do seu firmamento.Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, flores na Cor, sorrir na Pedra!Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um deus no seu mundo interior.E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,
Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Elegia dos Amantes Lúcidos
Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destinoE não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insectoMeu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um mongeAh, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?